
Governadores vão enfrentar dificuldades em obter aval do Supremo Tribunal
Federal (STF) para reduzir salários e jornada de trabalho de servidores, avalia
a equipe do governo federal que acompanha a situação de calamidade financeira
nos Estados. A medida deve ser debatida na próxima quarta-feira, quando o
Supremo discutirá ações que contestam dispositivos da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). O julgamento é considerado uma das principais apostas para Estados darem
fôlego às contas públicas neste momento em que sete deles já decretaram
calamidade financeira por não conseguirem pagar funcionários e fornecedores.
Assim que foram eleitos, em 2018, os governadores fizeram pressão para que o
STF voltasse ao tema e desse autorização para que eles recorressem à medida
polêmica, com forte resistência de sindicatos que representam o funcionalismo.
O Supremo suspendeu, em 2002, por unanimidade, trechos da lei que
permitiam a redução de salário e de jornada de trabalho de servidores. A
medida, emergencial, poderia ser acionada quando o gasto com pessoal
ultrapassasse o limite de 60% da receita líquida - realidade de 14 Estados em
2017, segundo dados divulgados pelo Tesouro Nacional. Nos bastidores, a expectativa é a de que a pressão dos Estados e a crise
fiscal podem levar pelo menos três ministros a se posicionarem a favor da volta
da possibilidade de cortar os salários com consequente redução da jornada:
Alexandre de Moraes (relator das ações), Gilmar Mendes e o presidente do STF,
Dias Toffoli, que tem discurso afinado ao da equipe do ministro da Economia,
Paulo Guedes. Quando o Supremo julgou o caso em 2002, nenhum deles integrava o
tribunal. Mas Gilmar pode não participar da votação, pelo fato de já ter se
manifestado no processo da LRF na condição de advogado-geral da União. Na avaliação de um ministro ouvido reservadamente pela reportagem, é
questionável falar que os salários são irredutíveis se não há recursos para
pagá-los. Esse magistrado destaca que os bombeiros que atuaram para socorrer a
população de Brumadinho depois da tragédia com o rompimento de uma barragem
trabalharam sem receber o décimo terceiro - e com salários parcelados. Um outro integrante da Corte, por outro lado, enxerga na discussão do
tema um cenário de ameaça à estabilidade de servidores e de deterioração das condições
de trabalho do funcionalismo público.
Veto. Mesmo com a penúria das finanças dos Estados, especialistas
ouvidos pela reportagem acreditam que o STF deve manter o veto à possibilidade
de redução de salários de servidores.
"Ainda que a situação econômica seja outra, é uma questão muito
técnica e clara. Precisaria de um malabarismo muito grande e criativo, porque é
notório que esses dispositivos extrapolam o texto da Constituição", diz
Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário e finanças públicas da
FGV Direito São Paulo. Para o advogado trabalhista José Alberto Couto Maciel, a redução dos
salários e da jornada de trabalho é "evidentemente inconstitucional".
"Não vejo como o STF vai entender que não se pode violar a Constituição
para se obter isso."
Apesar de polêmica por mexer nas regras do funcionalismo, o tema virou
bandeira para o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), que assume publicamente
a necessidade de se ampliar a margem permitida ao administrador. Antes dele,
Paulo Hartung (MDB), que deixou o governo do Espírito Santo, já havia iniciado
um movimento a favor da ação. No fim do ano passado, governadores eleitos
fizeram uma romaria a Vitória para pegar conselhos com Hartung, único a receber
nota A por sua capacidade de pagamento pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Ao Estado, ele defendeu a medida para ajudar a equilibrar as contas em
tempos de crise. "O setor privado tem seus instrumentos, o setor público
também precisa ter." Na avaliação de José Matias-Pereira, professor de administração pública
da Universidade de Brasília (UnB), a LRF não foi capaz de evitar a atual crise,
mesmo sendo uma espécie de código de conduta dos gestores. "A lei tentou
conter essa ânsia perdulária dos Estados, mas com a má gestão pública, o patrimonialismo
e o corporativismo, os Estados chegaram a essa situação. A LRF sozinha não
resolve o problema fiscal do País." O PT é autor de uma das ações que contestam no STF a possibilidade de
governos cortarem salários e reduzirem a jornada de trabalho de servidores. A
OAB, o PC do B, o governo de Minas Gerais e a Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público também acionaram o Supremo para contestar trechos da LRF
e terão suas ações julgadas a partir desta quarta.
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