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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

NO RN, SECA TRANSFORMA AÇUDE 'ESPETACULAR' EM CENÁRIO DE DESOLAÇÃO

Açude Gargalheiras, em Acari, está praticamente seco por conta da estiagem prolongada (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Açude Gargalheiras, em Acari, está praticamente seco por conta da estiagem prolongada (Foto: Anderson Barbosa/G1)

A pior seca do últimos 100 anos no Rio Grande do Norte está transformando paisagens. Uma das que mais sofreu mudanças fica na região Seridó. É o açude Gargalheiras, em Acari. Quando cheio, atrai visitantes de todos os cantos para um espetáculo de tirar o fôlego: a sangria da barragem. A última foi em maio de 2011. Sobre um paredão de 27 metros de altura, a lâmina d’água chegou a 1 metro. Agora, praticamente vazio, o cenário de deslumbre virou desolação.

Para ver de perto os efeitos da estiagem no interior potiguar, equipes do G1 e da Inter TV Cabugi percorreram 1.400 quilômetros durante cinco dias. Foram visitadas 19 cidades no Seridó e Oeste – regiões que mais sofrem com a escassez. Entre elas está Acari, uma das onze cidades do estado que atualmente enfrentam colapso no abastecimento d’água. As outras são: Antônio Martins, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos, João Dias, Luís Gomes, Paraná, Pilões, Riacho de Santana, São Miguel e Tenente Ananias.

Engenheiro que já viu a sangria do Gargalheiras, agora registra o momento mais crítico da barragem  (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Engenheiro que já viu a sangria do Gargalheiras, agora registra o momento mais crítico da barragem - (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Já em Apodi, Caicó, Itajá, Jucurutu,Lucrécia, Parelhas, Pau dos Ferros e São Rafael, foi constatado que o nível das barragens vem baixando rapidamente e que a paisagem está mudando a cada dia. Muitas famílias já estão pensando em ir embora. Algumas, para fugir da seca, falam até em buscar uma sorte melhor em outros estados.

No leito do Gargalheiras, a primeira parada foi em meio a poças malcheirosas, junto a pescadores que ainda se aventuram em busca de sustento. Os poucos e miúdos peixes que restam estão morrendo. Garças e urubus cortam o céu o todo instante e disputam a pouca água e o que ainda tem para comer. Em alguns trechos do solo rachado, sobre a terra ainda úmida, plantações de capim alimentam rebanhos de cabras e bodes. Na maior parte do açude, no entanto, cactos, pedregulhos e canoas abandonadas compõem a paisagem.

À direita, o Gargalheiras em 2011, quando ainda ocorria a sangria, a cascata artificial; à esquerda, nos dias atuais, sob a seca (Foto: Canindé Soares e Anderson Barbosa/G1)
À esquerda, o Gargalheiras em 2011, quando ainda ocorria a sangria, a cascata artificial; à direita, nos dias atuais, sob a seca (Foto: Canindé Soares e Anderson Barbosa/G1)

“Estive aqui há quatro anos para apreciar a sangria do Gargalheiras. Agora voltei para ver se é mesmo verdade, se toda aquele imensidão de água, se toda aquela beleza realmente havia desaparecido. É uma sensação muito diferente. É muita tristeza”, disse o engenheiro Renato Matos, de 64 anos, que mora em Natal. Além de fornecer água para os 10 mil moradores de Acari, a barragem também abastece 40 mil pessoas que residem na vizinha Currais Novos. O Gargalheiras tem capacidade para 44 milhões de metros cúbicos de água. Mas, com apenas 0,2% deste total, o açude não está ajudando mais ninguém.

'Dá até vontade de chorar', disse o pescador Luís Henrique Marques da Silva (Foto: Anderson Barbosa/G1)
'Dá até vontade de chorar', disse o pescador Luís Henrique Marques da Silva - (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Luís Henrique Marques da Silva tem 22 anos. Pescador, ele fala que é de partir o coração ver o Gargalheiras nesta situação. “Dá até vontade de chorar”, afirma.

Numa canoa estreita, Luís mostrou o que ainda se aproveita nas águas do reservatório. O pescador usou uma tarrafa (rede circular com pequenos pesos distribuídos em torno de toda a circunferência da malha) para capturar algumas tilápias. As que ele pegou, todas bem miúdas, não passam de 10 centímetros de comprimento. “Só um balde cheio pra dar um quilo”, frisou. “Maior que esses não tem mais. Pegamos para comer e para vender. E temos que pegar esses peixinhos assim, bem novinhos, porque de qualquer maneira eles vão morrer mesmo”, acrescentou. 

Água que resta dentro do açude está esverdeada e tem mau cheiro; com pouco oxigênio, peixes estão morrendo (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Água da barragem está esverdeada e tem mau cheiro; com pouco oxigênio, peixes estão morrendo (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Os peixes que conseguem escapar da rede saltam frenéticos. Alguns até caem dentro da canoa. Beirando a superfície,  tilápias e cágados lutam para respirar numa água com pouco oxigênio. No fundo, presos na lama, os animais são capturados com as mãos.

Moradores de Acari precisam acordar cedo para pegar água nos chafarizes públicos espalhados pela cidade (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Moradores de Acari acordam cedo para pegar água em caixas espalhadas pela cidade (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Fila de baldes
Com o Gargalheiras seco, a Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) suspendeu o fornecimento para
Acari e Currais Novos, cancelou a cobrança das contas e decretou colapso. Outras 35 cidades, que também fazem parte das regiões Seridó e Oeste, estão em rodízio no abastecimento. Significa que elas recebem água de forma alternada com o objetivo de racionar a pouca água disponível.

Nos municípios em colapso, a água só chega por meio de caminhões-pipa. Na zona urbana, as prefeituras das cidades mantêm a distribuição. Na zona rural, é o Exército Brasileiro, através da Operação Pipa, o responsável pela entrega. Em algumas cidades a água é distribuída de casa em casa, depositada em bacias, baldes, galões ou mesmo cisternas. Na maioria delas, no entanto, a água vai direto para as caixas d'água ou chafarizes públicos.

Técnica em enfermagem, Maria do Socorro Silva Medeiros mostra a pia cheia de louça suja por causa da falta d’água  (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Técnica em enfermagem, Maria do Socorro Silva Medeiros mostra a pia cheia de louça suja por causa da falta d’água (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Em Acari, é preciso acordar cedo para garantir o precioso líquido. Na rua Antônio Severiano, no bairro Luiz Gonzaga, é assim todos os dias. Por causa do sol forte, são os baldes que ficam na fila da caixa d'água a espera da abertura das torneiras. Para cada pessoa, 20 litros é o máximo permitido. Dona de casa, Doralice de Sousa chegou antes de todo mundo ao chafariz. Uma vitória para quem já ficou sem água várias vezes. “A gente acreditava que o Gargalheiras nunca iria secar.

Estou com 59 anos e nunca tinha visto isso na minha vida. Mas ninguém pode brigar com Deus, né? A gente tem que se acostumar com isso e agradecer às pessoas de bom coração que vêm aqui pra nos abastecer”, ressaltou. Maria do Socorro Silva Medeiros, de 41 anos, é técnica em enfermagem. Ela também enfrenta uma longa espera pela água para conseguir cozinhar. Ela abriu a casa onde mora para mostrar a pia cheia de louça suja. “Tá assim desde ontem. Ou lavava a louça ou tomava banho. É um sofrimento que não tem fim”, reclamou.

Em Currais Novos, fendas de até um metro de profundidade se abriram no solo rachado do açude Dourado (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Em Currais Novos, fendas de até um metro de profundidade se abriram no solo rachado do açude Dourado (Foto: Anderson Barbosa/G1)

‘Culpa da gente mesmo’
Em Currais Novos, a falta d’água não é menos preocupante. O município, que deixou de receber água do Gargalheiras após a barragem secar, também não conta com o reservatório que existe no próprio município faz bastante tempo. O açude Dourado, com capacidade para 10 milhões de metros cúbicos de água, secou por completo faz quase dois anos.

Agricultor, Edvan Ferreira, de 36 anos, disse que tem muita gente que maltrata a natureza, 'e agora a natureza vem e nos castigar' (Foto: Anderson Barbosa/G1)
A natureza vem e nos castiga', disse o agricultor
Edvan Ferreira (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Mesmo sem uma única gota, atravessar o açude a pé não é tarefa fácil. Fendas se formaram e abriram ainda mais o solo rachado. A profundidade entre as fissuras passa de um metro. Até mesmo as cabras, que se alimentam do capim que nasceu no leito, só pastam nas beiradas do reservatório. “A gente não tem ração pra dar. E como aqui ainda tem um matinho, eu trago os bichos pra cá”, explicou o agricultor Edvan Ferreira, de 36 anos.

Edvan disse que nunca havia presenciado uma seca tão rígida e que já perdeu vários animais por falta d’água e comida. Por fim, ele ainda tentou achar uma explicação para os efeitos da escassez. “É uma secura muito grande. Talvez isso aí seja culpa da gente mesmo. Tem muita gente que maltrata a natureza. Agora a natureza vem e nos castiga”, pontuou.

Aos 62 anos, a agricultora aposentada Maria das Graças Medeiros mora no sítio Terra Nova, na zona rural de Currais Novos. Ela possui uma cisterna em casa, o que ajuda bastante em um momento de escassez como este. “Uma vez por mês o caminhão do Exército vem aqui e enche. Se não fosse isso, eu já tinha ido embora pra cidade”, revela. Dona Maria também disse nunca ter visto uma estiagem tão castigante. “Nasci e me criei aqui nesta casa. Não me lembro de uma seca tão braba. É mito difícil essa situação. A nossa salvação é a cisterna. Com essa água, a gente vai se virando”, acrescenta.

Aos 62 anos, a agricultora aposentada Maria das Graças Medeiros disse nunca ter visto uma estiagem tão castigante (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Aos 62 anos, a agricultora aposentada Maria das Graças Medeiros disse nunca ter visto uma estiagem tão castigante (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Emergência
Segundo o serviço de meteorologia do estado, esta é a pior seca dos últimos 100 anos. E para o ano que vem as previsões não são otimistas. Dos 167 municípios potiguares, 153 estão em estado de emergência em razão da estiagem prolongada. Destes, 122 são abastecidos por caminhões-pipa. O decreto foi publicado pelo governo do estado no dia 28 de março deste ano e tem validade de 180 dias. Segundo o documento, as chuvas ocorridas no segundo semestre do ano passado e início de 2015 foram insuficientes para a formação de estoques de água potável nos reservatórios.

Seca que assola o interior do Rio Grande do Norte vem causando a morte de muitos animais e prejuízos para economia do estado (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Seca que assola o interior do Rio Grande do Norte vem causando a morte de muitos animais e prejuízos para economia do estado (Foto: Anderson Barbosa/G1)

Para decretar a emergência, o governo consultou a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (Emparn), que previu chuvas abaixo da média histórica para este ano, além de também levar em consideração os R$ 3,8 bilhões de prejuízo causados pela escassez hídrica em 2014.

Info Seca RN (Foto: G1/RN)

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