“Aprovada
em comissão especial da Câmara dos Deputados, a proposta de emenda
constitucional (PEC) que restringe os poderes de investigação do Ministério
Público (MP) é um golaço para o time da corrupção. Ainda não foi aprovada em
plenário, mas deve ser encarada como um grave entrave ao combate à corrupção. O
Ministério Público corre o risco de ser impedido de investigar. E isso,
certamente, não será bom para o Brasil. É preciso refletir sobre os riscos de uma proposta que
visa a cercear, tolher e manietar a instituição que, de forma mais eficaz e
notória, combate a crônica impunidade reinante no País. De fato, o Ministério
Público, em colaboração com a Polícia Federal, tem conseguido esclarecer
diversos casos de corrupção. Tratam-se de instituições que prestam inestimável
serviço à sociedade.
Será que o Ministério Público, que é a instituição que
forma as convicções sobre a autoria dos crimes, não pode fazer diligências para
ele mesmo se convencer? Está em andamento um movimento para algemar essa
instituição. Se o Congresso Nacional excluir o MP do processo investigatório, o
reflexo imediato será o questionamento sobre a legalidade e até mesmo a
completa anulação de importantes apurações. Vejo com bons olhos o protagonismo do Ministério Público
no combate aos predadores da sociedade. Se alguns de seus membros cometem
abusos, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de controle, em vez de restringir a
sua atuação. Se não houver uma mobilização da opinião pública contra a chamada
PEC da Impunidade, a sociedade pode descobrir tarde demais que os corruptos
estão ganhando um passaporte definitivo para a impunidade. Alguns políticos vislumbram abusos em certas ações do
Ministério Público e querem esvaziar as atribuições investigatórias da
instituição. Trata-se de uma proposta contrária aos interesses da sociedade. Se
existe uma instituição que tem contribuído para a construção de um novo País,
democrático e republicano, é o Ministério Público, responsável pela vigilância no
gasto do dinheiro público, na defesa do meio ambiente e na ação contra
criminosos, incluindo aqueles com maior poder econômico ou político.
O papel do Ministério Público, guardadas as devidas
proporções, aproxima-se, e muito, da dimensão social da imprensa. A atividade
exige, por óbvio, independência e sensibilidade ética. Preocupam-se alguns com
os riscos de prejulgamento que podem advir de uma declaração precipitada e
pública da autoridade (leia-se do Ministério Público) estampada em manchete de
jornal. Procuram, por isso, criar um sistema que proteja a intimidade e garanta
a presunção de inocência de pessoas submetidas a um processo investigativo.
Esse cuidado legítimo, contudo, pode transformar em regra o que deveria ser
rigorosamente uma exceção. O segredo de Justiça pode ser uma salvaguarda da
honra. A experiência, no entanto, demonstra que essa cautela jurídica tem,
frequentemente, sido uma aliada da impunidade.
O princípio da presunção de inocência deve, claro, ser
garantido, mas não à custa da falta de transparência. O princípio
constitucional da publicidade, pelo qual qualquer cidadão tem direito a obter
das autoridades públicas informações de interesse pessoal e geral, é, na
expressão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF),
"verdadeira pedra angular sobre a qual se edifica o Estado Democrático de
Direito, pois a exigência de transparência na prática governamental
qualifica-se como prerrogativa inalienável que assiste a todos os
cidadãos". Fatos recorrentes evidenciam a importância da informação
jornalística e da ação do Ministério Público como instrumentos de realização da
justiça. Alguém imagina, por exemplo, que o julgamento do mensalão teria sido
possível sem a pressão de um autêntico jornalismo de denúncia? O Ministério
Público, muitas vezes, é acionado por fundamentada apuração jornalística. É o
ponto de partida. Ninguém discute que o Brasil tem avançado graças ao esforço
dos meios de comunicação, mas também graças ao trabalho do Ministério Público.
A informação é a base da sociedade democrática. Precisamos, sem dúvida,
melhorar os controles éticos da notícia. Consegue-se tudo isso não com censura
ou limitações informativas, mas com mais informação e com mais pluralismo.
O mesmo se pode dizer do trabalho do Ministério Público.
Como escreveu a jornalista Rosane de Oliveira, respeitada colunista de política
do jornal Zero Hora, "em um país em que a polícia carece de recursos para
investigar homicídios, tráfico de drogas, roubo de carros e outros crimes, não
se compreende a briga pela exclusividade na investigação, típica disputa de
beleza entre as corporações. Em vez de as instituições unirem forças, tenta-se
com essa emenda constitucional impedir o Ministério Público de investigar. Mais
fácil é entender o sucesso do lobby no Congresso: boa parte da classe política
não suporta os promotores com sua mania de investigar denúncias de mau uso do
dinheiro público. Entre promotores e procuradores, uma das frases mais
repetidas é que uns não gostam do Ministério Público porque não conhecem seu
trabalho e outros, porque conhecem bem demais". A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que
maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Congresso Nacional não
decida de costas para a cidadania. É preciso que a sociedade civil, os
juristas, os legisladores, você, caro leitor, e todos os que têm uma parcela de
responsabilidade na formação da opinião pública façam chegar aos parlamentares,
com serenidade e firmeza, um clamor contra a impunidade e uma defesa
contundente do papel do Ministério Público no combate à corrupção.”
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