Nestor Cerveró: ex-diretor internacional da Petrobras
está em prisão domiciliar (André Dusek/Estadão Conteúdo)
Desde a sua gênese, em 2014, a Operação Lava
Jato estabeleceu uma meta: recuperar 5,5 bilhões de reais surrupiados
dos cofres da Petrobras por meio de multas e devoluções dos
próprios operadores do propinoduto. Há duas semanas, mais uma contribuição foi
dada a esse processo, por assim dizer, civilizatório. Diretor internacional da
empresa entre 2003 e 2008, cargo em que comandou um esquema gigantesco de
propina, o notório Nestor Cerveró pagou 6 milhões de reais como
parte do ressarcimento previsto no acordo de delação premiada homologado pelo
Supremo Tribunal Federal. Ficou no ar a dúvida: de onde Cerveró, condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro e há três anos sem trabalhar, tirou recursos
para pagar a multa? Resposta: ele vendeu por 7 milhões de reais um
apartamento comprado assumidamente com dinheiro sujo.
Resumindo, ainda saiu do negócio com 1 milhão no bolso. A
proeza de lucrar com a corrupção pregressa aconteceu no início deste mês e é
fruto do acordo de delação. Em circunstâncias normais, um bem adquirido com
dinheiro ilícito seria confiscado, mas Cerveró conseguiu que o imóvel
continuasse sendo propriedade sua e, assim, pôde concluir o negócio. O
apartamento em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde ele morou com a
mulher por cinco anos, foi justamente o alicerce da acusação pela qual o juiz
Sergio Moro o condenou a cinco anos de cadeia (hoje cumpridos em prisão
domiciliar). Em 2015, VEJA revelou que o dúplex de 300 metros quadrados estava
em nome de uma offshore uruguaia, a Jolmey Sociedad Anonima.
A empresa criada em 2008 se dizia interessada no mercado
imobiliário carioca, mas durante toda a sua existência comprou apenas um único
bem no Brasil. Adivinhe qual? O apartamento de Ipanema. VEJA revelou ainda
e-mails trocados entre Cerveró e advogados no Uruguai que tratavam da criação da
Jolmey e da compra do imóvel. Depois de muito negar, o ex-executivo enfim
assumiu que era dono da offshore e do dúplex. Em seu acordo de delação premiada,
o ex-diretor da Petrobras comprometeu-se a devolver um total de 17 milhões de
reais aos cofres públicos em dez etapas. Parte desse dinheiro foi repatriada de
contas no exterior; a outra virá da venda de imóveis da família Cerveró. O
ex-diretor está negociando mais dois apartamentos (sem ligação com propina) para
quitar as parcelas finais do ressarcimento – e, quem sabe, lucrar mais algum.
Procurada, a defesa de Cerveró não quis confirmar o nome do comprador do
apartamento de Ipanema e não informou o preço dos demais imóveis.
Apartamento vendido por Nestor Cerveró em Ipanema, na
Zona Sul do Rio de Janeiro (Reginaldo Teixeira/VEJA)
Cerveró atualmente vive em uma casa em Itaipava, na região
serrana do Rio, de onde só pode sair para algum tratamento médico ou para
audiências na Justiça. A tornozeleira eletrônica que usa deverá ser removida no
ano que vem. Em suas delações, citou políticos como Lula, FHC, Dilma Rousseff,
Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Fernando Collor e contou muitas histórias, mas
apresentou poucas provas objetivas. VEJA apurou que pelo menos dez denúncias
dele acabaram não dando em nada.
Advogados envolvidos em outras delações justificam a existência
de acordos do tipo do que beneficiou Cerveró. “É natural que o colaborador
obtenha benefícios, tanto na redução de penas quanto em arranjos financeiros.
Não fosse assim, não haveria interesse em colaborar”, argumenta Fernanda
Tórtima, que já advogou para o ex-deputado Eduardo Cunha e para o ex-presidente
da Transpetro Sérgio Machado. Mas a instituição do troca-troca é criticada nos
meios jurídicos quando, como no caso de Cerveró, as benesses parecem extrapolar
o razoável. “Há delatores lucrando com o ilícito enquanto os lesados não recebem
a indenização necessária”, resume Érica Gorga, especialista em mercado de
capitais e fraudes financeiras.