Igreja do bispo Edir Macedo foi condenada a devolver doação de idoso que vendeu carro e doou tudo para instituição em busca de milagres (Foto: Arquivo)
A 4ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul condenou a Igreja Universal do Reino
de Deus a devolver a doação de R$ 19,8 mil feita por um casal de idosos de Três
Lagoas. Em busca de milagres, o homem doou o dinheiro obtido com a venda do
único carro e a aposentadoria de dezembro de 2016. No entanto, ele acabou se
arrependendo e obteve na Justiça o direito de ter o dinheiro de volta. Fieis da instituição
religiosa, Domingos de Deus Corrêa e Socorro dos Santos Corrêa resolveram fazer
doação expressiva em dezembro de 2016. Ele vendeu o carro por R$ 18 mil. Além
do valor obtido com a venda, o idoso pegou a aposentadoria de R$ 1.980 de
dezembro e doou tudo para a igreja. Contudo, como o milagre não
veio, o casal passou a enfrentar dificuldades financeiras, com atraso no pagamento
das contas e ver o nome ser negativado nos órgãos de proteção ao crédito.
Domingos procurou o pastor e pediu o dinheiro de volta. No entanto, a Igreja
Universal do Reino de Deus se recusou a devolver a doação.
O casal ingressou com ação
na Justiça para pedir a devolução dos R$ 19,9 mil e mais indenização por danos
morais de R$ 9,9 mil. “Ao acordar da lavagem cerebral que o Pastor lhe fez e
percebendo que tinha sido ludibriado, procurou a Igreja Ré para receber seu
dinheiro de volta por diversas vezes, porém, todas foram infrutíferas, razão
pela qual não lhe restou alternativa senão o ajuizamento da presente ação”,
argumentou o advogado Eric Wanderbil de Oliveira. “Por outro lado, todo
dinheiro que tiram de seus fiéis é usado para custear a cara estrutura dessas
organizações religiosas e o luxo de seus dirigentes, como carros importados,
restaurantes refinados e outros mimos”, pontuou. “A Igreja Ré tirou o único
automóvel dos Autores, bem com, o benefício da aposentadoria do Mês de Dezembro
de 2016, impedindo de pagar suas contas mensais e prejudicando a sobrevivência
de sua família”, afirmou. A Igreja Universal
argumentou que o casal não perdeu tudo, já que reside em casa própria. Além
disso, a instituição tentou anular o direito do casal à Justiça gratuita. “O
ministério da entidade Ré difunde a fé, a esperança, o amor a Cristo, o amor ao
próximo, não condizendo com induções a erro, coação, manipulação, ou qualquer
outra alegação que não se coaduna com o que prega”, explicou.
Em seguida, a defesa recorreu
às exigências feitas por outras igrejas, que não cabem indenização dos fiéis,
como a abstinência de carne na sexta-feira santa pelos católicos, a proibição
de se trabalhar aos sábados pelos adventistas ou de doação de sangue pelas
testemunhas de Jeová.
Em agosto do ano passado, o
juiz Anderson Royer, da 3ª Vara Cível de Três Lagoas, considerou parcialmente
procedente a ação do casal. Ele determinou a devolução do dinheiro corrigido
pelo IGP-M, mas negou o pedido de indenização por danos morais. “Logo, verifico que, embora
tenha a parte autora comprovado a doação de vultuoso valor para a requerida
(fl. 12, 14/15), não há prova apta a corroborar, indubitavelmente, suas
alegações no que tange a eventual coação moral ou induzimento a erro. Desta
feita, consigno que as meras alegações de que foi vítima de lavagem cerebral
pelo pastor da ré, não é o bastante para invalidar o negócio jurídico em
questão.
Assim, não restou cabalmente comprovada a vontade viciada dos
requerentes”, ressaltou o magistrado. “Em primeiro lugar, da
análise dos autos, mormente dos documentos juntados às fls. 13, 18/19, bem como
do próprio depoimento pessoal prestado pelo autor Domingos, permite concluir
que a ausência da expressiva somado a da à ré (R$ 19.980,00) comprometeu a
subsistência dos autores, impossibilitando que desenvolvessem suas vidas de
forma regular. Não obstante, frisa-se que os autores são pessoas idosas, cuja
ausência do veículo debilita, consideravelmente, o desempenho de suas
atividades diárias”, destacou.] “Em segundo lugar, não
merece guarida a alegação da demandada que os autores possuem bem imóvel, dado
que é local onde residem, não auferindo renda proveniente desta propriedade.
Deste modo, portanto, restaria leviano a afirmação de que, apenas pelo fato de
possuírem casa própria, não estariam sujeitos a percalços financeiros capazes
de concretizar a figura de subsistência tal qual descrita no artigo
supramencionado”, afirmou Royer.
Desembargador Alexandre Bastos: limite na liberdade religiosa (Foto:
Divulgação)
A Igreja Universal do Reino
de Deus recorreu ao Tribunal de Justiça e a 4ª Câmara Cível manteve a sentença.
“Verifica-se que a sentença bem aplicou o art. 541, parágrafo único do Código
Civil, ao demonstrar que a doação verbal somente poderia ter sido realizada se
versando sobre bem móvel e de pequeno valor, o que não ocorreu na presente
hipótese, por se tratar de veículo no valor de R$ 19.980,00, de forma que,
preterida solenidade prevista em lei, é inválido o negócio jurídico”, disse o
desembargador Alexandre Bastos, relator do recurso. “Sobre o argumento de que é
vedado ao judiciário embaraçar a liberdade de liturgia religiosa, ou de que os
fatos não interessam ao mundo do direito, certo é que não há nenhuma norma
legal que garanta à entidade religiosa, independentemente da fé professada,
qualquer tipo de isenção apenas pelo fato de lidar com a espiritualidade”,
pontuou sobre a alegada liberdade religiosa. A decisão abre precedentes
para que outros fieis, independente de credo, recorram à Justiça nos casos em
que ficar evidente o abuso dos líderes religiosos.
FONTE: Campo Grande News