O juiz Henrique Baltazar Vila dos Santos, titular da 12ª Vara Criminal de Natal e responsável pelas execuções penais das Comarcas de Natal (RN) e de Nísia Floresta (RN), mostra-se incansável na luta pela reconstrução do sistema prisional do Rio Grande do Norte. O magistrado tem sido implacável na cobrança de ações de governo, mas também tem participado diretamente na discussão de soluções para o setor. Como representante do Tribunal de Justiça no grupo de trabalho criado pela governadora Rosalba Ciarlini (DEM) para discutir e elaborar um plano em prol do sistema prisional, Baltazar está defendendo a construção de novas unidades na capital e no interior e a reforma e ampliação dos presídios já existentes. Também sugere uma reavaliação na proposta do Ministério da Justiça de construir cinco cadeidas públicas no Estado, ressaltando que os valores exigidos do governo são inviáveis. Ele diz que esse projeto não sairá do papel. No “Cafezinho com César Santos”, gravado na redação de Mossoró do defato.com, o juiz fala com detalhes do caos no sistema prisional e mostra o caminho para o Estado sair da crise. Leia a entrevista. Fotos: Cezar Alves.
O sistema prisional do Rio Grande do Norte vive uma das piores crises de sua história, porém, o problema que explodiu agora parece ser resultado de longos anos da falta de políticas públicas para o setor. O senhora credita o fracasso do sistema a que fatores?
A crise se agravou na gestão da ex-governadora Wilma de Faria, quando ela criou artificialmente vagas prisionais transformando carceragem de delegacias em presídios. A situação era a seguinte: no governo de Garibaldi Filho (de 1995 a 2002) foram construídos alguns presídios, inclusive a Penitenciária de Alcaçuz, em Nísia Floresta, a penitenciária de Caicó e algumas construções e reformas em Mossoró. Na época, melhorou muito o sistema prisional. Mas, em Natal, continuava um problema sério, com a destruição da João Chaves, conhecido como o “caldeirão do diabo”, e de outras unidades. Garibaldi acabou não resolvendo. Quando Wilma assumiu o governo, procurando dá uma resposta à população, adotou medidas que acabaram se transformando em bombas-relógio, agora explodindo.
Como assim?
Porque?
Veja só: os presos deveriam ficar nos CDPs apenas por alguns dias, enquanto a polícia concluía os inquéritos. Esses locais não ofereciam menor condição de funcionamento, porque não tinham qualquer estrutura. Mesmo assim, os presos foram ficando. Daí, a situação foi se agravando com o tempo porque nada mais foi feito, até chegar ao ponto crítico que se encontra hoje. É bom lembrar que no final do governo Wilma foi construído o pavilhão 5 da Alcaçuz, que hoje é uma penitenciária. Esse pavilhão foi bem estruturado, com modelo imune as fugas e dificulta qualquer ação do preso como consumo de drogas, uso de aparelho celular e outros delitos. Só que esse pavilhão foi inaugurado antes de ser concluído, e isso trouxe problemas. Em seguida, começa o governo Rosalba Ciarlini que nada fez em prol do sistema prisional nos primeiros dois anos. Somente depois de muita briga com o Judiciário, depois de interditado o próprio pavilhão 5 da Alcaçuz, em razão de uma fuga em massa, é que o governo resolveu olhar para o problema. Aliás, aquela fuga, ainda sem explicação, foi beneficiada pela falta de agentes penitenciários. Talvez, se houvesse um reforço maior nessa área, o fato não tivesse ocorrido.
E o que o governo fez depois daí?
Depois de muita luta, muita pressão, o governo adotou algumas medidas importantes. Convocou agentes penitenciários e possibilitou a reabertura do pavilhão 5 da Alcaçuz. Mais de 40 agentes foram contratados e estão trabalhando nesse pavilhão. No entanto, a situação continua muito delicada. Todo dia a polícia prende gente e precisa colocar em algum canto. Nos últimos anos a criminalidade no Brasil cresceu muito e a polícia está pretendendo mais. Eu tenho dito que o grande volume de prisões não é porque a polícia está trabalhando melhor; é porque aumentou a criminalidade. Vejo que o trabalho da polícia continua sofrível, com enorme deficiência, principalmente de estrutura. Veja a situação lastimável do Instituto Técnico Científico de Polícia (ITEP). Não tem estrutura, não tem perito para fazer as investigações dos crimes e nem a polícia civil consegue desenvolver o seu trabalho. Salvo um ou outro delegado que tem feito um bom trabalho, o fato é que a situação piorou. Mesmo assim, aumentou o número de pessoas presas e o governo ficou inerte nesses últimos dois anos e pouco fez para desarmar a bomba-relógio herdada de governos anteriores.
Mas o senhor não acha que o governo tem se esforçado para solucionar problemas que afetam ainda mais o sistema prisional?
O governo fechou alguns Centros de Detenção Provisória, com certa razão, porque estavam sem condições de funcionamento; eram uma porcaria e tinham que ser fechados mesmo, como o CDP das Quintas, em Natal, que na verdade era um porão de uma delegacia de polícia. O fato é que a bomba está estourada. Alguns juízes perderam a paciência e resolveram agir duramente, como a decisão de interditar os presídios, deixando o Estado sem ter onde colocar os presos.
O senhor concorda com a decisão de interditar os presídios, sem levar em conta que não tem local para colocar os presos e a sociedade acaba ficando exposta?
É como eu disse, alguns juízes perderam a paciência e tomaram essa decisão. Não vou julgar a decisão, mas posso afirmar que a situação ficou incontrolável. Os presídios interditados não tinham mais como continuar recebendo ou abrigando presos. Em Mossoró, por exemplo, os dois presídios públicos encontram-se em situação deplorável.
Qual é a saída para o problema?
Vejos duas alternativas básicas, necessárias e concomitantes: construir presídios e nomear gente. O Estado tem que urgentemente ampliar o número de presídios públicos e melhorar o quadro de agentes penitenciários. A quantidade de presídios que nós temos hoje não é resolve.
Mas, enquanto não amplia a estrutura do sistema prisional, as penas alternativas não seriam uma saída para amenizar o problema?
Não resolve. O Governo Federal tem sugerido a aplicação de penas alternativas e a Justiça já vem fazendo isso, no entanto, não tem um efeito prático no sistema prisional. O problema é que a maior parte dos crimes são praticados por pessoas reincidentes, que já foram condenadas antes. Para essas pessoas não tem pena alternativa. É bom ressaltar que hoje as pessoas que praticam os chamados crimes comuns não vão presas. A prática do furto, por exemplo, fica sem punição; a polícia sequer apresenta a denúncia. Isso é grave, mas infelizmente é o que está acontecendo.
O Ministério da Justiça e o Governo do Estado firmaram termo de compromisso para construção de cinco cadeias públicas no RN. Ajuda a solucionar o problema do sistema carcerário?
Seria espetacular, mas não acontecerá.
Porque?
Nós temos duas situações: primeiro, o Governo do Estado criou um grupo de trabalho para buscar soluções para o sistema prisional. Eu faço parte representando o Tribunal de Justiça. Segundo, tem a proposta do Governo Federal de construir cinco presídios. Só que do jeito que o Ministério da Justiça propõe não será feito. O Ministério promete liberar R$ 8,5 milhões para construção de cada unidade e exige do Governo do Estado a elaboração do projeto que está orçado em R$ 23 milhões. Ou seja, o Governo Federal entra com R$ 8,5 milhões e a contrapartida do Estado sai por R$ 15 milhões. É impraticável. Melhor seria o governo convencer o Ministério da Justiça a construir presídios como o de Nova Cruz (RN), que é bem estruturado e que sai por R$ 9 milhões. É bem mais barato e possível de realizar. Do jeito que o Ministério da Justiça está propondo, o Estado não tem como fazer. Outros sete estados que receberam a mesma proposta do Ministério da Justiça já disseram que não vão ter condições de fazer. Então, creio que o Estado pode apresentar a sugestão de construir as cadeias com o modelo que temos aqui, que é possível construir.
O que é que está sendo proposto, então, pelo grupo de trabalho criado pelo Governo do Estado, do qual o senhor participa?
Nós fizemos uma proposta de construção de algumas unidades emergenciais. Nós trabalhamos por área e decidimos deixar Mossoró para uma segunda fase porque trata-se de um problema mais complexo. Fizemos a seguinte proposta: o Estado construia três pequenas unidades com capacidade para receber 80 presos, aproveitando a estrutura já existente no próprio sistema de segurança do RN. Seria construída uma unidade em Natal, dentro do complexo João Chaves; uma em Caicó, dentro da penitenciária do Seridó, e uma em Patu, usando a estrutura da Polícia Militar regional, que tem um terreno enorme e compatível para receber essa nova unidade. Além dessas três pequenas unidades, seria construída outra de porte médio, que seria uma cadeia pública em Natal com 232 vagas. As três pequenas ficariam prontas em três ou quatro meses e a maior com prazo de dez a 12 meses para ser construída. Ao mesmo tempo, o semiaberto de Natal passaria para outro prédio. Essa proposta exigiria um investimento de R$ 6 milhões. A governadora Rosalba concordou e já encaminhou para a aprovação do Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) e a informação que temos é que já está nos preparativos finais para ser licitado.
Isso resolve?
Não. São 472 novas vagas que serão abertas dentro de no máximo 12 meses, mas ainda é pouco para solucionar o déficit carcerário. Mas é a medida emergencial que certamente produzirá resultados positivos. Quero adiantar que no dia 17 próximo eu estarei em Brasília, a convite do ministro Joaquim Barbosa (presidente do Supremo Tribunal Federal), para uma audiência com o ministro das Justiça, José Eduardo Cardozo. Na oportunidade, serão apresentadas algumas propostas para tentar melhor o sistema prisional do nosso Estado. A governadora Rosalba Ciarlini também participará da audiência, juntamente com a sua equipe técnica. Posso adiantar que uma das propostas que o Estado apresentará é a que defende a construção de cadeias mais baratas e os recursos prometidos pelo Ministério da Justiça, para a construção daquelas cinco cadeias, que sejam aplicados em obras de reforma e ampliação de presídios já existentes. Nesse caso, resolveria o problema de Mossoró, pois beneficiaria a Cadeia Pública Manoel Onofre e a Penitenciária Mário Negócio. Se o Governo Federal concordar, ótimo, nós vamos ter uma melhoria substancial no sistema prisional do Rio Grande do Norte.
O Congresso Nacional colocou na pauta do dia a discussão da mudança na maioridade penal, muito por conta dos últimos casos policiais envolvendo adolescentes. Qual a posição do senhor em relação a proposta de reduzir a maioridade penal para 16 anos?
Eu sou favorável. O meu discurso é o mesmo e que todos conhecem. O jovem de 16 e 17 anos sabe perfeitamente o que está fazendo; ele tem consciência do que está fazendo. Veja bem: a maioridade de 18 anos foi fixado em 1940, quando a cabeça do jovem daquela época era completamente diferente. Hoje, com 18 anos, o jovem sabe perfeitamente o que está fazendo, é dono de seus atos, por isso, pode responder por eles. Agora, entendo também que uma redução da maioridade penal obriga o País a mudar o sistema prisional para receber esses jovens infratores. Os jovens não podem ficar no mesmo local de outros presos que podem exercer influência negativas sobre eles. Então, precisaríamos de mais cadeia.
O País passaria a gastar mais recursos públicos com o sistema prisional. Isso não seria o ponto negativo?
Olha, nós temos que mudar a mentalidade nas pessoas no que se refere ao sistema prisional. É preciso entender que cadeia também é serviço público. Segurança é serviço público. As pessoas falam que o governo tem que construir praças, escolas, hospitais, etc. Certo. Mas também tem que construir cadeias e garantir segurança, porque também são serviços públicos. Se fizer uma pesquisa hoje, não tenho dúvida que a segurança aparecerá em primeiro lugar na preocupação das pessoas, porque esse serviço é imprescindível para a sociedade. Segurança é o direito de todos e o Estado tem que assegurar esse direito.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no RN, Sérgio Freire, está defendendo que nas ações ajuizadas contra o Estado por erros da polícia, do Ministério Público e até mesmo do Judiciário, que sejam incluídos os responsáveis pelas investigações. Como é o que senhor vê essa proposta?
É mais uma tentativa de impedir o trabalho de investigação da polícia e do Ministério Público. Pode até não ser a intenção do presidente da OAB, mas a consequência é essa. Veja bem, a investigação não é uma ciência exata, por isso, a possibilidade de erro existe. Quando a polícia inicia uma investigação, ela vai colhendo elementos, afastando possibilidades e criando um ambiente para trabalhar a partir dali. Nesse processo pode ocorrer erro e até natural. Agora, se essa proposta vingar, o policial ficará com medo de investigar. Imagine se houver uma informação falsa e o policial cometer o erro no resultado final da investigação, ele vai ser punido por isso. A mesma coisa acontece com o Ministério Público. Então, se a polícia e o Ministério Público tiverem medo de investigar e o juiz tiver receio de julgar, não terá mais investigação, nem julgamento.
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