Liderados pela Amarn, juízes entregam documento ao presidente do TJRN, Aderson Silvino/Adriano Abreu
Passados 50 anos desde que o Brasil foi alvo do golpe que ceifou a democracia, uma das três maiores instituições de poder do país ainda é o estandarte das eleições indiretas. O poder judiciário é a última instituição a utilizar o sistema censitário para a escolha do presidente dos tribunais. Ontem, associações de magistrados entregaram um requerimento ao presidente do Tribunal de Justiça do RN, Aderson Silvino, solicitando eleições diretas para escolha dos próximos presidentes da instituição. O TJRN acolheu a demanda, mas não garantiu apoio. A mobilização nacional, comandada pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB), contesta o atual sistema de escolha, em que apenas os desembargadores – magistrados de segunda instância – podem ser indicados e escolher o presidente dos tribunais, sejam eles regionais, trabalhistas ou federais. O mandato é de dois anos.
A justiça é a única instituição do judiciário a não definir um pleito aberto para seus representantes: ao contrário de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público e Defensoria Pública. Esse sistema, de acordo com a presidente da Associação de Magistrados do RN (Amarn), Hadja Rayanne de Holanda, faz com que as eleições aconteçam em sistema de “rodízio”, em vez de dar aos juízes o direito de escolher um representante com capacidade de liderança e gestão. “Nos tribunais menores, como é o do RN, não há uma eleição, mas um rodízio. Todos sabemos quem será o próximo presidente. A pessoa que assume nem sempre atenta às necessidades dos juízes da primeira instância”, critica a presidente. Isso acontece porque a indicação para presidente também considera o critério de antiguidade: geralmente, é indicado o magistrado que tem mais tempo dedicado ao judiciário. Para se ter uma ideia da disparidade, dos 300 juízes que fazem parte do judiciário do RN, apenas 15 estão aptos a votar – são justamente os desembargadores.
De acordo com Hadja Rayanne, quanto menor for o tribunal, maior é a resistência à democratização. “Publicamente os desembargadores não se posicionam, mas há uma tendência para que não aceitem, a não ser que venha uma decisão do legislativo”, citou a juíza. A proposta defendida pelas associações de magistrados é discutida a pelo menos dez anos. O projeto mantém os desembargadores como únicos magistrados passíveis de indicação à presidência, mas os submete a votação a todos os juízes do Estado. O presidente do TJRN, Aderson Silvino, garantiu que vai encaminhar o requerimento a cada um dos desembargadores. Entretanto, não garantiu uma resposta rápida e se esquivou de definir uma posição quanto ao projeto. “Se eles [os desembargadores] aceitarem, nós vamos acolher, mas só o tempo poderá dizer se vai ser uma iniciativa positiva”, comentou Silvino. De acordo com ele, porém, o atual sistema censitário “tem dado certo, pois evita disputas políticas”.
Propostas em curso
PEC 187/2012: de autoria do deputado Wellington Fagundes (PR/MT) propõe mudar art. 96 da CF para fixar eleição de presidentes nos tribunais pelo voto direto e secreto. Aprovada na CCJ da Câmara Federal em outubro/2013, aguarda criação de comissão especial para análise.
PEC 15/2012: de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB/PB) acresce parágrafo único ao art. 96 da CF, permitindo que os tribunais elejam seus órgãos diretivos, por maioria absoluta e voto direto e secreto, dentre os membros do tribunal pleno, exceto os cargos de corregedoria. Está presa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado desde junho de 2013.
Marco Bruno Miranda: É preciso que a PEC saia para que a mudança ocorra/Adriano Abreu
Bate-papo - Marco Bruno Miranda
juiz federal e vice-presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe)
O que a eleição direta pode trazer de benefício ao Judiciário?
Eleger o presidente quer dizer eleger o nosso representante mais direto. No atual sistema, o juiz não tem participação, ele só fica sabendo da escolha. O pleito acontece entre eles [desembargadores] e, na verdade, já se sabe quem vai ser o próximo presidente, uma vez que o principal critério para indicação é a antiguidade. Nós queremos votar. Nesse sistema, não identificamos nenhum fundamento democrático ou meritocrático.
Por quê?
Às vezes, a gente detecta que o compromisso do desembargador permanece com a segunda instância, e não com a primeira. Ele acaba direcionando mais estrutura para os desembargadores, uma vez que são eles que têm o poder de indicá-lo. Se você for ver o último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há uma concentração de dinheiro e de estrutura nos tribunais em vez das comarcas.
A Amarn afirma que, quanto menor o tribunal, maior a resistência às eleições diretas. Isso é verdade? Por que acontece?
Sim, é verdade. Eventualmente, nos tribunais de menor porte existe um bom relacionamento entre os desembargadores. A democracia, porém, é um processo difícil. O processo é bem mais trabalhoso quando você sai de 15 para 300 eleitores. Quando são muitas pessoas, a democracia se torna mais trabalhosa. Acho até difícil, a médio prazo, que a aprovação se dê por meio dos tribunais. É mais fácil para eles. É preciso que a PEC saia para que a mudança ocorra. Ultimamente tem sido mais fácil promover mudanças no judiciário por meio do Congresso Nacional.
Outros entes do Judiciário, como Ministério Público e OAB, já realizam eleições diretas. É possível dizer que o tribunal é o ente mais atrasado?
Não posso falar em atraso, mas em conservadorismo. O judiciário tem defendido a preservação de sua autonomia, sem que outros entes decidam por ele. O judiciário ainda é uma instituição muito verticalizada.
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