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sábado, 13 de dezembro de 2014

JUIZ HENRIQUE BALTAZAR: “NÃO HÁ COMO MELHORAR O SISTEMA SEM GASTAR MAIS”

Henrique Baltazar - juiz da 12ª Vara de Execuções Penais de Natal
Henrique Baltazar - juiz da 12ª Vara de Execuções Penais de Natal/Emanuel Amaral

A redução dos índices de criminalidade e melhoria da segurança pública, de uma forma geral, passam necessariamente por ações de mais investimentos no sistema prisional do Rio Grande do Norte. O diagnóstico é do juiz da 12ª Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar. O magistrado afirma que a descoberta de um “super-túnel” na penitenciária de Alcaçuz, em Nísia Floresta, mostra a fragilidade do sistema. O Estado, segundo ele, precisa investir porque já não resta mais o que improvisar. Alcaçuz, uma unidade com 16 anos de idade, foi construída em local de terreno inapropriado, com materiais e projeto inadequados às características da área, avalia o juiz. Para Henrique Baltazar, o sistema penitenciário está em total abandono.

Falta dinheiro, técnicos, procedimentos. A situação em Alcaçuz reflete todas essas dificuldades e o quanto não houve manutenção nesses 16 anos. Ao mesmo tempo, o magistrado disse que algumas decisões judiciais acabam sendo inócuas porque o Estado não tem dinheiro e a Justiça não pode obrigar os gestores a escolher onde gastar.  Na entrevista que segue, o juiz trata das dificuldades e implicações da falta de investimentos no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte e alerta às consequências para a segurança pública se os gestores não investirem o que realmente é necessário. “O Estado gasta R$ 7 milhões hoje, mas seria necessário ao menos o triplo disso”, afirma o magistrado. Eis a entrevista:

A descoberta desse super-túnel em Alcaçuz traz algo novo para o senhor, nesses anos à frente da Vara de Execuções Penais?

- Não. Na verdade ela só confirma os problemas que nós já temos visto e falado. Temos um sistema penitenciário ruim; e ruim porque temos presídios velhos e deteriorados, esquecidos pelo Estado, e pessoal insuficiente. Os presídios do Rio Grande do Norte — Alcaçuz, por exemplo, foi construído em 1998 — em sua maior parte têm mais de dez anos. Foram esquecidos pelo Estado e nunca foram renovados, reformados ou mesmo consertos adequados. Houve apenas remendos executados ao longo desse tempo todo; nunca foram equipados para funcionar como deveriam.

E o que foi feito ao longo desses anos?

- As pequenas coisas que foram feitas feitas no decorrer do tempo, como no caso de Alcalçuz, a colocação de concertinas para minorar os problemas. Não tem vigilância eletrônica nos presídios. Uma ou outra unidade, o próprio diretor com a ajuda do Poder Judiciário, empresários, ou outra instituição que colocam uma câmera; ou mesmo com dinheiro do próprio diretor, que são situações particulares dele. O Estado não tem feito nada para melhorar o sistema.

Já se sabia da existência desse túnel em Alcaçuz?
- A existência desse túnel mostra um problema que já era esperado. Primeiro já se sabia; depois era esperado que acontecesse, como também é esperado que aconteça em outro [presídio] porque, todos os dias, o diretor de qualquer unidade prisional fica aguardando  uma tentativa de fuga. Ele fica esperando o problema do dia para tentar resolver. Em qualquer unidade prisional que você vá, o diretor vai dizer que aquela parede está para cair, ou que aconteceu um curto-circuito e queimou aquele equipamento; ou não tem munição para evitar uma fuga ou tentativa de resgate, ou não tem armamento suficiente.

E por que não fecharam?

- Não havia abertura suficiente para para entrar e fechar. Tinha que se saber a saída pelo outro lado; como chegar pelo lado de fora para conseguir aterrar. Mas isso não se faz sem ter equipamento parta observar isso. O Rio Grande do Norte não tem, mas nesse ponto talvez apenas um estado grande tivesse. No Esto, que eu sei, apenas a UFRN dispõe desse equipamento que foi doado à universidade por convênio com a Petrobras. Mas a Universidade se negou a ceder para ser usado pelo sistema penitenciário, uma vez que foi solicitado especificamente para este caso há cerca de um ano.

Esse modelo de presídio teria que ser revisto?

- Nossos presídios não são imensos, no Rio Grande do Norte. Temos o tamanho padrão, previsto hoje em dia, com capacidade entre 300 a 700 presos. Alcaçuz, por exemplo, é previsto para pouco mais de 400 presos. Houve um decreto da governadora Wilma [Wilma de Faria] que ampliou essa capacidade para 620, no papel, e hoje tem 900 detentos. E tem isso porque não há onde colocar, pois o Estado não construiu. O Rogério Coutinho Madruga é outro presídio, construído para 400 detentos, e tem hoje 380 a 390 presos. Alcaçuz tem o dobro da capacidade oficial. E continua tendo porque não existe outro lugar. Teria que tirar de lá entre 200 a 300 presos, mas não tem onde colocar.

Falta pessoal e qualificação para atuar no sistema?

- Não tem técnicos para trabalhar nos presídios, ou mesmo pessoal suficiente. O Rio Grande do Norte, com a quantidade de presos que tem no sistema, deveria ter ao menos 1.400 agentes penitenciários, mas temos uma lei estadual que trata de novecentos e poucos agentes. Absolutamente insuficiente para a quantidade de presos. Com essa quantidade de agentes e sem equipamentos de vigilância eletrônica, eles não conseguem controlar os presídios como deveriam. Sem estrutura, e sem viatura suficiente para transportar um preso de um local para outro, tendo em vista que alguns presídios são construídos em locais longe. Não se consegue sequer trazer os presos para as audiências judiciais e daí os processos se atrasam.

Quais implicações indiretas ou diretas dessa falta de condições?

- Por exemplo, os presos provisórios ficam mais tempo que deveriam por causa dessa deficiência do Estado.

Como o senhor classifica a situação?

- É uma estrutura de total abandono no sistema penitenciário pelo Estado que não se interessa em resolver o problema.

Essa situação é apenas de falta de investimento ou tem outros aspectos? E há, por exemplo, falha de procedimentos?

- São duas coisas diferentes. Falhas de procedimentos existem. Não há no sistema prisional, por exemplo, um Procedimento Operacional Padrão (POP). Não há no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte um procedimento específico. Cada diretor trabalha da forma como ela acha que deve trabalhar. A forma de retirar um preso, de abrir as celas ou inspecionar, em cada presídio é feita da forma como cada diretor entende. Então não há um POP. Há um ano eu escuto essa conversa do Estado que está tentando preparar esse procedimento Operacional Padrão, mas não vejo avançar. Isso é uma coisa. O outro lado é que esse problema em Alcaçuz não é só por causa da inexistência de um POP. No caso específico desse super-túnel já era do conhecimento. Esse túnel mesmo teve agente que já havia entrado nele antes. Não é que não se soubesse que existia. O problema era que as entradas dele que se conhecia eram de dentro da unidade, do pavilhão, do conjunto de celas.

Algumas das suas decisões, inclusive contra o Estado, cobrando medidas de melhoria do sistema, são descumpridas. Como o senhor vê isso?

- Essa área de execução penal tem uma dificuldade muito grande. A gente fez exigências ao Estado, mas não temos como obrigar o Estado a fazer. É critério do Estado e o governo é quem decide o que vai fazer. Não há como obrigar o governo a construir isso ou aquilo. É a critério do governante decidir se vai construir uma praça ou fazer uma festa na rua, ou se vai construir um presídio. O dinheiro que se gasta para fazer uma festa na praia, por exemplo, é o mesmo que se gastaria para construir uma penitenciária. Um milhão de reais que é o valor necessário para construir uma unidade prisional pequena para 80 presos é o valor que se gasta muitas vezes para fazer uma festa. O valor que o Estado do Rio Grande do Norte paga por mês à Arena das Dunas — aproximadamente R$ 10 milhões — daria para construir uma unidade razoável e resolver o problema prisional do Estado em pouco tempo, e definitivamente a situação prisional no Rio Grande do Norte.

Como equacionar o crescimento da violência, crescente demanda no judiciário, com essa falta de investimentos no sistema prisional?

- Segurança pública tem várias vertentes e o sistema penitenciário é uma delas, e uma das mais importantes. Não adianta a PM prender, e a Polícia Civil identificar os culpados, o Ministério público acusar e o juízo criminal julgar e condenar, se não tem como o Estado fazer cumprir a pena. Se não constrói presídios e não tem um sistema eficiente que faça cumprir as penas de forma adequada, então todo esse trabalho foi perdido. Uma das causas do aumento da violência no Brasil é a inexistência de um sistema eficiente de execução penal. Há no país 250 mil condenados além do número de vagas. Ou seja, que estão sobrando além do número de prisões que temos. Isso sem contar os foragidos, que não estão presos. Conta-se entre 300 e 600 mil mandados de prisão que estariam para ser cumpridos [no país]. É uma situação que não tem como haver segurança pública dessa forma. Se o Estado não entender que o sistema de execução penal precisa ser eficiente, nunca teremos eficiência na segurança pública neste país.

Há alguma medida a ser adotada sem necessidade de dinheiro?

- Sem dinheiro, e sem aumentar investimento em pessoal, nada. Ou se destina recursos para melhorar o sistema... tudo já foi feito para melhorar. Apertar mais um pouco, ou tentar fazer milagre, não vai mais resolver. Em um sistema como o nosso, onde temos sete mil presos onde cabem apenas quatro mil, o que mais podemos fazer? É preciso o Estado entender e gastar mais um pouco, pois gasta hoje R$ 7 milhões/mês. Com a nossa população, significa pouco mais de R$ 2,00/habitante. Costumo dizer que qualquer cidadão do Rio Grande do Norte concordaria em até triplicar esse valor para ter mais segurança. Sete milhões para um estado como o nosso é um valor ínfimo. Teria que triplicar para dar um pouco de funcionalidade ao sistema. Não há como melhorar o sistema sem gastar um pouco mais. Não há nada sobrando e não há mais o que espremer.

Há algo sendo feito para impedir essa comunicação dos presos via telefone celular, de dentro dos presídios?

- O secretário de Justiça nos informou que foi apresentada à Consultoria Geral do Estado uma proposta de lei para obrigar as empresas de telefonia que operam no Rio Grande do Norte a instalarem bloqueadores de sinal nos setores onde tem presídios. Espero que isso tenha segmento, mas vale lembrar que é apenas um passo, e importante. Só isso não basta. E temos visto isso a partir dos presídios federais, onde as organizações criminosas continuam coordenado ações mesmo sem acesso ao celular, através de visitantes e de outras formas. Então precisa mais e que o governo federal pense em mudanças na legislação de forma que isso seja resolvido.

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