Levantamento inédito mostra o volume de
recursos desviado do programa. Funcionários públicos, mortos e até doadores de
campanha estão entre os beneficiados/ Por: Pieter Zalis - NA
FILA - Sem fiscalização eficiente, o dinheiro do contribuinte deixa de ir para
quem precisa: é o “bolsa fraude”(ALEXANDRO AULER/VEJA)
Daria para fazer quase 30 000 casas pelo programa Minha Casa,
Minha Vida. Somente entre 2013 e 2014, pelo menos 2,6 bilhões de reais do total
da verba reservada ao Bolsa Família foram parar no bolso de quem não precisava.
A informação é resultado do maior pente-fino já realizado desde o início do
programa do governo federal, em 2003. Feito pelo Ministério Público Federal a
partir do cruzamento de dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Social com
informações de órgãos como Receita Federal, Tribunais de Contas e Tribunal
Superior Eleitoral, o exame detectou mais de 1 milhão de casos de fraude em
todos os estados brasileiros. O Bolsa Família, um valor mensal a partir de 77
reais por pessoa, é destinado exclusivamente a brasileiros que vivem abaixo da
linha da pobreza. A varredura mostrou, no entanto, que entre os que receberam
indevidamente o auxílio no período estão funcionários públicos, mortos e até
doadores de campanha (veja o quadro na pág. ao lado).
Só de funcionários públicos foram 585 000 os beneficiários
ilegais. Em todos os casos, os contemplados ganhavam ao menos um salário mínimo
(piso da categoria) e, segundo apurou o estudo, pertenciam a famílias com renda
per capita acima de 154 reais - situação que os impediria de receber o
benefício. O fato de esses funcionários serem majoritariamente servidores
municipais reforça a tese do Ministério Público de que esse tipo de fraude não
dispõe de um comando centralizado. "Nasce daquele microcosmo do município em que
o cadastrador conhece quem está sendo habilitado e não tem interesse em realizar
uma fiscalização correta sobre suas condições de pobreza", afirma a procuradora
Renata Ribeiro Baptista, que coordenou a pesquisa. Os doadores de campanha
ocupam lugar de destaque no ranking das categorias de fraudadores identificadas
no estudo. O Ministério Público encontrou 90 000 beneficiários do programa que,
em 2014, doaram a políticos ou partidos valores iguais ou superiores aos
recebidos do programa naquele ano e casos de grupos de dez ou mais beneficiários
que transferiram verbas para um mesmo candidato.
O levantamento achou ainda beneficiários sem CPF ou com mais de
um CPF, além de 318 000 beneficiários que eram donos de empresas. Abrir uma
empresa não significa necessariamente que alguém seja um sujeito de posses (o
processo para constituir uma firma pode custar pouco mais de 200 reais), mas o
Ministério Público acredita que poucos dos contemplados nessa situação
conseguirão provar que vivem abaixo da linha da pobreza. Os 2,6 bilhões
desviados correspondem a 4,5% do total investido no programa no período e estão
abaixo da média internacional, apontada pelo Banco Mundial, de 10% de desvios em
programas sociais. Para a procuradora Renata Baptista, porém, a estimativa do
MPF é "conservadora". Segundo ela, muitas fraudes ficaram de fora do
levantamento. "Apenas servidores com quatro ou menos familiares entraram no
estudo." O prejuízo ainda vai aumentar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário