
Eduardo Cunha: sob ameaça de cassação, deputado renuncia ao comando da Câmara(Antonio Augusto/Câmara dos Deputados)
Alvo de um processo de cassação e réu no Supremo Tribunal
Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, o presidente afastado da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), renunciou nesta quinta-feira ao comando da
Casa. Cunha está afastado das funções há dois meses por determinação do STF -
que na ocasião indicou inclusive que uma eventual prisão do peemedebista não
estava descartada. Ainda que fora da presidência da Câmara, Cunha segue deputado
e mantém, portanto, o foro privilegiado. O parlamentar chegou escoltado à Casa e
ouviram-se gritos de 'ladrão' e 'fora Cunha'. Ele foi acompanhado na coletiva em
que anunciou a renúncia pelos aliados Carlos Marun (PMDB-MS), João Carlos
Bacelar (PR-BA), Jovair Arantes (PTB-GO) e Marcelo Aro (PHS-MG). Cunha leu
diante de jornalistas a carta que entregou à Secretaria-Geral da Casa.
No documento, o deputado se diz vítima de 'perseguição e
vingança' por ter dado início ao processo de impeachment contra a presidente
afastada Dilma Rousseff. Ao criticar a decisão do STF que o afastou do mandato,
Cunha afirma que somente sua renúncia poderia por fim à instabilidade política
no país. A exemplo do que foi sua gestão à frente da Casa, Cunha caiu atirando:
disse que muito se orgulha de ter dado início ao processo que "colocou fim a um
governo que, além de ter praticado crime de responsabilidade, era inoperante e
envolvido com atividades irregulares". Ele afirmou que seu gesto nunca será
esquecido e que a "história fará justiça a seu ato de coragem". O peemedebista
ainda se referiu à gestão da petista como "criminosa e desastrada".
Notabilizado pela frieza com que conduzia votações espinhosas e
encarava críticas de adversários, Cunha chorou ao agradecer a Deus, a aliados e
a sua família pelo apoio "no meio dessa perseguição política". "Quero reiterar
que comprovarei minha inocência", afirmou.
Apoio - A decisão de Cunha reprisa estratégia
usada pelo seu correligionário Renan Calheiros (AL), que em 2007 renunciou à
presidência do Senado na véspera de seu processo de cassação ser votado em
plenário. À época, no entanto, o voto dos congressistas era fechado, e Renan
acabou absolvido. No caso de Eduardo Cunha, a votação se dará por meio do voto
aberto. Por isso, nos bastidores, considera-se improvável que o deputado
fluminense consiga escapar da perda do mandato.
Logo, a renúncia de Cunha ao comando da Câmara é vista como a
última cartada do peemedebista para conseguir a "solidariedade" dos colegas. Ele
ainda tenta emplacar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) recursos contra
o pedido de cassação, aprovado pelo Conselho de Ética. Se perder o mandato, o
peemedebista fica inelegível por oito anos e - mais grave - perde o foro
privilegiado, o que leva as investigações contra ele na Lava Jato para as mãos
do juiz federal Sérgio Moro, a exemplo do que já ocorre com a mulher e a filha
do deputado.
A investida de Cunha na CCJ visa anular a aprovação de seu
pedido de cassação e devolver o processo ao Conselho de Ética. O colegiado é
formado por 66 deputados e, para que seu pleito seja atendido, ele precisa do
aval de 34 congressistas - número que, até antes da renúncia, aliados diziam que
ele não tinha. Alguns deputados aguardavam o último gesto do peemedebista para
definir seu voto. A CCJ vai se reunir na próxima segunda-feira para votar o
parecer do deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), aliado de Cunha que defendeu que
o processo retorne ao Conselho de Ética.
Sucessor - A renúncia de Cunha não significa
que ele sai de cena do comando da Câmara dos Deputados. A vacância da cadeira
abre caminho para a convocação de novas eleições em até cinco sessões, de modo a
tirar o deputado Waldir Maranhão (PP-MA) do posto. Nos bastidores, aponta-se
para um acordo entre Cunha, o Planalto e parlamentares do chamado "centrão" para
eleger o líder do PSD, Rogério Rosso (PSD-DF), ex-presidente da comissão do
impeachment e aliado de Cunha. Questionado pelo site de VEJA, o parlamentar do
DF evitou tratar do acordo. Disse apenas ser possível a realização de novas
eleições antes do recesso, que terá início no dia 18 de julho. "No caso de Aldo
Rebelo, demorou apenas dois dias", afirmou Rosso, referindo-se à renúncia de
Severino Cavalcanti em 2005, quando Rebelo assumiu o posto.
Aliado de primeira hora de Eduardo Cunha, o deputado Carlos
Marun, que defendia abertamente que o peemedebista deixasse o cargo de cúpula na
Câmara, disse que a renúncia consolidada "era o melhor a fazer". Segundo ele, o
anúncio nesta quinta-feira permite que uma nova eleição seja feita nos primeiros
dias da próxima semana. "A renúncia acontece hoje para que haja tempo hábil para
eleição nos primeiros dias na próxima semana, até na segunda-feira", disse.
STF - Com a renúncia, os processos da Operação
Lava Jato a que o deputado responde serão deslocados para a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF), colegiado formado por cinco ministros e
responsável por julgar autoridades com foro privilegiado investigadas no
escândalo do petrolão. Ao contrário do que ocorre no Plenário do Supremo, neste
colegiado, os julgamentos não são televisionados e bastam três votos dos cinco
possíveis para que o parlamentar seja condenado. A Segunda Turma é presidida
pelo ministro Gilmar Mendes, a quem cabe pautar, em acordo com os demais
ministros - Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Dias Toffoli - os
processos para julgamento.
*Confira a íntegra da carta de renúncia de Eduardo
Cunha:
Excelentíssimo Senhor Deputado Valdir Maranhão,
Vice-Presidente da Câmara dos Deputados,
Cumprimentando-o cordialmente, comunico a Vossa Excelência
a decisão que tomei de renunciar ao cargo de Presidente da Câmara dos deputados.
Essa decisão é irrevogável e irretratável.
Ao completar 17 dos 24 meses do meu mandato de Presidente,
2 meses de afastamento do cargo e, ainda, estando no período de recesso forense
do Supremo Tribunal Federal - onde não existe qualquer previsão de apreciação de
recurso contra o meu afastamento - resolvi ceder aos apelos generalizados dos
meus apoiadores.
É público e notório que a Casa está acéfala, fruto de uma
interinidade bizarra, que não condiz com o que o País espera de um novo tempo
após o afastamento da Presidente da República. Somente a minha renúncia poderá
por fim a essa instabilidade sem prazo. A Câmara não suportará esperar
indefinidamente.
No período de efetivo exercício do mandato, pude conduzir a
Câmara na forma proposta na minha campanha, com protagonismo e independência,
votando todas as pautas do governo, mas trazendo a debate também as pautas da
sociedade e a pauta dos seus representantes - que são os Deputados. Reforma
política, terceirização de mão de obra, redução da maioridade penal, "PEC da
Bengala", estatuto do deficiente, pautas da segurança pública, correção do FGTS,
foram alguns dos importantes temas votados na minha gestão. Mas, sem dúvida
alguma, a autorização para abertura do processo de impeachment de um governo
que, além de ter praticado crime de responsabilidade, era inoperante e envolvido
com práticas irregulares, foi o marco da minha gestão, que muito me orgulha e
que jamais será esquecido.
Sofri e sofro muitas perseguições em função das pautas
adotadas. Estou pagando um alto preço por ter dado início ao impeachment. Não
tenho dúvidas, inclusive, de que a principal causa do meu afastamento reside na
condução desse processo de impeachment da Presidente afastada, tanto é que meu
pedido de afastamento foi protocolado pelo PGR em 16/12/2015, logo após minha
decisão de abertura do processo. E o pedido de afastamento só foi apreciado em
5/5/2016, em uma decisão considerada excepcional e sem qualquer previsão
constitucional, poucos dias depois da decisão desta Casa por 367 votos
autorizando a abertura do processo por crime de responsabilidade.
Em decorrência dessas minhas posições, venho sofrendo
também uma representação por quebra de decoro parlamentar por supostamente ter
mentido a uma CPI, aberta por mim como Presidente e na qual compareci
espontaneamente para prestar esclarecimentos. Continuarei a defender a minha
inocência de que falei a verdade.
A par disso, sofro da seletividade do órgão acusador que
atua com relação a mim diferentemente do que com outros investigados com o mesmo
foro. Após a decisão da Câmara de instaurar o processo de impeachment em
17/04/2016, seis novos inquéritos foram abertos contra mim e duas novas
denúncias foram apresentadas, sendo que muitos desses eventos se davam sempre às
vésperas de deliberações no Conselho de Ética. Quero reiterar que comprovarei a
minha inocência nesses inquéritos, confiando na Justiça do meu País. Reafirmo
que não recebi qualquer vantagem indevida de quem quer que seja.
Quero agradecer a Deus pela oportunidade de presidir a
Câmara dos Deputados do meu País. Quero agradecer ao meu partido e a todos os
Deputados que me elegeram em primeiro turno em fevereiro de 2015. Quero
agradecer a todos os que me apoiaram e me apoiam no meio dessa perseguição e
vingança de que sou vítima. Quero agradecer especialmente a minha família, de
quem os meus algozes não tiveram o mínimo respeito, atacando de forma covarde,
especialmente a minha mulher e a minha filha mais velha. Usam a minha família de
forma cruel e desumana visando me atingir. Tenho a consciência tranquila não só
da minha inocência bem como de ter contribuído para que o meu País se tornasse
melhor e se livrasse do criminoso governo do PT.
A história fará Justiça ao ato de coragem que teve a Câmara
dos Deputados sob o meu comando de abrir o processo de impeachment que culminou
com o afastamento da Presidente, retirando o País do caos instaurado pela
criminosa e desastrada gestão que tanto ódio provocou na sociedade brasileira,
deixando como legado o saldo de 13 milhões de desempregados e o total
descontrole das contas públicas.
Que este meu gesto sirva para repor o caminho que a Câmara
dos Deputados estava trilhando na minha gestão, de protagonismo, de
independência, de austeridade no controle dos gastos públicos e de coragem para
enfrentamento das pautas da sociedade. Acima de tudo, espero que este meu ato
ajude a restaurar o nosso País após o processo de impeachment.
Desejo sucesso ao Presidente Michel Temer e ao futuro
Presidente da Câmara dos Deputados. Que Deus abençoe esta nação.
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