
Dilma Rousseff: perspectiva sombria para resultado na votação final (Tomas Munita/The New York Times)
O plenário do Senado deu na madrugada desta quarta-feira mais
um passo para sepultar o mandato de Dilma Rousseff – e pôr fim definitivamente à
era PT no comando do país. À 1h25, o painel eletrônico da Casa anunciou: a
presidente afastada tornou-se ré e será julgada por crime de responsabilidade.
Fora do Planalto desde 12 de maio, Dilma terá o mandato definitivamente
interrompido se condenada – e ficará inelegível por oito anos. Para tanto, são
necessários dois terços dos votos do plenário do Senado, ou seja 54 dos 81
parlamentares. Os 59 votos que autorizaram o julgamento indicam, portanto, que a
presidente afastada será derrotada também no último passo do processo. A
derradeira fase do impeachment deve ter início no final deste mês. É difícil
encontrar em Brasília, mesmo dentro do PT, alguém que acredite na volta de Dilma
ao Palácio do Planalto.
O resultado da chamada fase de pronúncia foi anunciado após
15 horas e meia de sessão – em que apoiadores da presidente afastada lançaram
mão de artifícios para retardar ainda mais os trabalhos. Já sabiam que a derrota
de Dilma era certa. Abusaram, como de praxe da falsa argumentação de que a
presidente afastada foi vítima de um ‘golpe’. Diante da possibilidade de
manobras protelatórias e do discurso a que cada um dos 81 senadores tem direito,
a previsão inicial era de que a sessão desta terça se arrastasse por 30 horas.
Mas integrantes da base do governo Temer tomaram medidas para acelerar os
trabalhos. No PSDB, apenas o presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG),
discursou. Seguindo o exemplo da legenda, oito parlamentares retiraram o nome da
lista de inscritos para discursar.
A sessão – A retirada foi articulada pelo
líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), que também abriu mão de falar. Além dele,
os senadores Wilder Moraes (DEM-GO), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Ciro Nogueira
(PP-PI), Romero Jucá (PMDB-RR), Raimundo Lira (PMDB-PB), José Maranhão (PMDB-MA)
e Zezé Perrela (PTB-MG) abdicaram do direito de discursar. Já o senador Fernando
Bezerra Coelho (PSB-PE) aceitou reduzir seu tempo de fala de 10 para 5 minutos.
Eunício afirmou que o objetivo é evitar que o julgamento de Dilma seja concluído
somente em setembro. “Estamos ganhando tempo para não postergarmos isso para o
mês que vem.” As primeiras horas da sessão foram gastas na discussão de questões
de ordem. Todos os pedidos foram negados pelo presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que presidiu os trabalhos. Membros da nova
oposição apresentaram oito questionamentos. Dois deles, de autoria de Humberto
Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), pediam a suspensão da sessão para
que se aguardem os desdobramentos da Operação Lava Jato com base nas delações de
executivos da Odebrecht. “São questões estranhas ao objeto da presente sessão.
Aqui se trata especificamente de analisar a pronúncia da presidente afastada”,
disse Lewandowski.
Aliados de Dilma também pediram a suspeição do relator do
impeachment, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). E que fossem retirados do
relatório os dados sobre o Plano Safra. Houve ainda questionamentos para que a
sessão fosse suspensa até a votação das contas do governo de 2015 pelo Tribunal
de Contas da União e pelo Congresso. Lewandowski insistiu que questões de ordem
só podem ser usadas para esclarecimentos sobre o rito, e não para mudanças que
podem alterar o processo. “Não caberia ao presidente do STF de forma monocrática
dizer o que deve ou não ser”, afirmou. Após quase quinze horas de discursos,
incluindo meia hora para a acusação e outra meia hora para a defesa da
presidente afastada, e antes da votação do mérito do parecer de Anastasia, os
questionamentos preliminares da defesa foram votados em destaques.
As reclamações a respeito da pendência do julgamento nas contas
da gestão petista e a suspeição de Anastasia foram unificadas em um único
debate. Os senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Ronaldo Caiado
(DEM-GO), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lindbergh Farias (PT-PR), dois contrários e
dois favoráveis à aprovação das preliminares, se revezaram em encaminhamentos de
cinco minutos. Depois das explanações sobre os questionamentos da defesa, os
senadores decidiram por 59 votos a 21 rejeitá-las e manter o texto do tucano. Em
seguida, Humberto Costa, Cássio Cunha Lima, Jorge Vianna (PT-AC) e Simone Tebet
(PMDB-MS) se intercalaram em manifestações contrárias e favoráveis ao parecer de
Anastasia. Por fim, o plenário do Senado decidiu favoravelmente ao texto do
mineiro também por 59 votos favoráveis e 21 contrários e tornou Dilma Rousseff
ré por crimes de responsabilidade. O presidente da Casa, Renan Calheiros
(PMDB-AL), não votou.
Mais três votações – Depois da decisão pela
continuidade do processo de impeachment contra a petista ao julgamento final,
outros três destaques, que poderiam alterar a acusação contra Dilma, foram
votados separadamente. As votações duraram cerca de uma hora.
O plenário do Senado apreciou, nesta ordem, os pedidos da
defesa para que fossem excluídos do processo as pedaladas fiscais via Plano
Safra, o decreto de 29,9 bilhões de reais assinado pela presidente afastada em
junho de 2015 e o decreto de 600 milhões de reais baixado pela petista em agosto
do ano passado. Nas duas primeiras votações em separado, os senadores rejeitaram
por 58 votos a 22 os questionamentos da defesa e de aliados de Dilma Rousseff.
Na terceira e última, o placar foi de 59 votos a 21 pela rejeição dos pedidos.
Deste modo, o texto do parecer de Antonio Anastasia foi mantido integralmente.
Dilma x PT – Apesar da grita no Senado, o
Partido dos Trabalhadores já pensa no pós-Dilma – sobretudo de olho nas eleições
municipais de outubro. A sempre conturbada relação da petista com o próprio
partido torna-se cada vez mais fria. Na semana passada a presidente afastada
defendeu uma “transformação” do PT em função das denúncias de corrupção
reveladas pela Operação Lava Jato e de seu próprio afastamento da Presidência.
Também sugeriu que o uso de dinheiro sujo em sua campanha era um problema da
sigla, não dela. Em resposta. o presidente nacional do partido, Rui Falcão,
afirmou que não vê “nenhuma viabilidade” na proposta de consultar a
população para a realização de novas eleições. A ideia vem sendo
estudada por Dilma, que estaria preparando uma carta para defendê-la
publicamente. A carta seria enviada aos senadores na tentativa de angariar votos
por sua permanência. Como informa a coluna Radar, senadores que estiveram com a
petista afirmam que ela está “fora da realidade” – e age como se ainda fosse
possível alterar seu destino.
A nova derrota de Dilma se dá na esteira da revelação, por
VEJA, de que o marqueteiro João Santana entregou ao Ministério Público
na negociação de sua delação premiada um cardápio destruidor para
Dilma. A principal revelação que Santana e a sua mulher, Mônica Moura, se
dispuseram a comprovar é que a presidente afastada autorizou ela mesma as
operações de caixa dois de sua campanha. Ou seja: não se trata de dizer que
Dilma sabia do que acontecia nos bastidores clandestinos de suas finanças
eleitorais, mas sim que ela própria comandava o jogo.
Votação final – Atendendo a apelos do
Planalto, Renan Calheiros quer dar início à etapa final do julgamento em 25 de
agosto. Mas Lewandowski só pretende fazê-lo no dia 29, o que empurraria o
afastamento definitivo de Dilma para setembro. Ele também já disse ao presidente
da Comissão do Impeachment, Raimundo Lira (PMDB-PB), que não pretende marcar
sessões no fim de semana. O Planalto pressiona pela celeridade porque Temer quer
viajar para a reunião do G20 na China. no início de setembro, já como presidente
da República.
A pressa do interino também atende pelo nome de Lava Jato:
reportagem de VEJA desta semana revela que diretores da
Odebrecht estariam dispostos a apresentar à força-tarefa documentos que
comprovariam que a empreiteira entregou 10 milhões de reais em dinheiro vivo ao
PMDB para a campanha de 2014. A verba teria sido pedida a Marcelo Odebrecht,
então na presidência do grupo, em jantar no Palácio do Jaburu, na presença de
Michel Temer e Eliseu Padilha, hoje ministro da Casa Civil. No domingo, o jornal
Folha de S. Paulo informou que diretores da Odebrecht também relataram
que a campanha de José Serra (PSDB), hoje ministro das Relações Exteriores, à
Presidência em 2010 recebeu 23 milhões de reais da empreiteira pelo caixa dois —
parte do dinheiro teria sido depositada no exterior. Em dois meses de
interinidade, Temer conseguiu plantar um clima de estabilidade na política e na
economia que favorece sua permanência no poder. Mas a crise é profunda e a
Operação Lava Jato, irrefreável – não importa quem ocupe o terceiro andar do
Palácio do Planalto.
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