
Estado não pode usar equilíbrio do sistema de saúde pública como justificativa para negar o fornecimento de remédios.
O Estado não pode usar listas de medicamentos previamente
autorizados para fornecimento pela rede pública ou o custo de um remédio sobre
todo o sistema para justificar a negativa de entrega de uma substância a um
cidadão. Assim entendeu o juiz federal Tiago Bitencourt, da 2ª Vara Federal
Cível em São Paulo. A decisão garantiu o fornecimento de aspartato de ornitina a
uma pessoa com encefalopatia hepática, doença que causa deficiência no
funcionamento do fígado. Por não estar na lista de medicamentos do SUS elaborada
pelo governo federal, a substância tinha sido negada ao cidadão. Acionada na
Justiça, a União alegou que não houve justificativa que a responsabilizasse pelo
fornecimento do medicamento, pois a prescrição deveria ser feita por médicos da
rede estadual de saúde. Alegou ainda que é impossível oferecer saúde pública a
toda população e, ao mesmo tempo, atender necessidades exclusivas de alguns
cidadãos.
Já o governo de São Paulo afirmou que os portadores da doença
poderiam solicitar o remédio pela via administrativa. Por esse “caminho”,
continuou, um comitê técnico avaliaria o pedido, nos termos da Resolução SS-54,
devidamente formalizado pelo medico do paciente. No entanto, todos os argumentos
foram negados por Bitencourt. O juiz federal destacou em sua decisão que,
conforme estipula o artigo 196 da Constituição Federal, o Estado é responsável,
além da prevenção e de precaução, também de cuidar da cura da população. “Ou
seja, deve ele atuar posteriormente a moléstia, tal como bem postula o MPF”,
disse. O magistrado explicou ainda “que o direito social é autoaplicável”, ou
seja, mesmo que dependa da análise das normas criadas pelos legisladores e
da ação do executor da política pública, seu não atendimento caracteriza
omissão. Bitencort detalhou que as listas governamentais de medicamentos devem
ser vistas como exemplificativas, e não limitadoras. “O Estado Constitucional
não admite a taxatividade de direitos fundamentais e, assim, veda a limitação
absoluta de outras medidas curativas que não aquelas estabelecidas na legislação
e na regulamentação pertinentes, ou seja, o direito fundamental à saúde não pode
ser integral mente delineado pelas listas.”
Para o juiz federal, não faz
sentido o estado alegar falta de recursos ou riscos ao sistema de atendimento em
casos nos quais é preciso fornecer medicamentos específicos e mais caros, sendo
que tantas disposições constitucionais ainda não foram atendidas. “Ainda que
tenha preço elevado, nada indica que seu fornecimento inviabilize a prestação de
serviços públicos essenciais. Aliás, tendo em vista que o Brasil conseguiu a
proeza, ou melhor, deu-se ao luxo, do não-exercício da importantíssima
competência tributária relativa ao Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153,
VII, da CF/88) [...] fica muito difícil, para não dizer hipócrita, falar em
custo excessivo aos cofres públicos”, crítica o juiz.
Ele cita também como incongruência o fato de que iates, aviões e helicópteros
não são tributados anualmente ao mesmo tempo que carros populares sofrem
incidência de IPVA. “Não bastasse isso, tem-se que o preço corrente do fármaco
em questão e ate bem mais baixo do que outros que costumam ser postulados,
custando, conforme rápida pesquisa na internet em farmácia anunciante, algo em
torno de R$ 285,27”, finalizou o julgador.
*Clique aqui para ler a decisão.
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