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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

NORDESTE: SERTÃO ENFRENTA A PIOR SECA EM 50 ANOS

A seca que se abateu sobre o semiárido nordestino de 2012 a 2013 foi a pior dos últimos 50 anos, constatou a Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência das Nações Unidas especializada em monitorar eventos climáticos. Em relatório divulgado no início deste ano, a organização relatou perdas de aproximadamente R$ 20 bilhões em decorrência da estiagem prolongada. Em relação à criação de gado, por exemplo, pecuaristas informaram a morte de 4 milhões de animais, sobretudo bovinos, apenas em 2012, ano em que se deu o auge da estiagem. A informação é da pesquisa Produção da Pecuária Municipal, do IBGE.

Prejuízos também foram sentidos na área de eletricidade. Com a baixa nos níveis dos reservatórios de água das hidrelétricas, foi preciso acionar as termelétricas, cuja energia é mais cara e mais poluente. Como se não bastasse, os açudes também estão sofrendo grandes baixas nos volumes de água. Em outubro de 2014, o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) informou que alguns dos principais açudes do Ceará estão em situação crítica.

O Açude do Castanhão, que abastece a região metropolitana de Fortaleza, está com apenas 30% da capacidade. O de Araras, 13%, e o de Pentecoste, menos de 2%, ou seja, somente o chamado "volume morto". O diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, disse que 50% dos reservatórios do semiárido apresentavam, em julho de 2014, menos de 30% da capacidade. E, na avaliação dele, a situação continuará crítica.

"A situação merece acompanhamento de toda a sociedade, pela sua gravidade. Os reservatórios não foram plenamente recuperados. O estado que mais recuperação teve no último período das chuvas, em dezembro, foi a Bahia. Os outros tiveram recuperação pequena, muito menor que a desejável. Vamos partir para o próximo período seco numa situação equivalente ou relativamente pior que a de 2013. Hoje, o estado que apresenta o maior problema de preservação de água é Pernambuco", informou Guillo. A situação não é nova. A seca do Nordeste é bem conhecida pelos brasileiros. Há relatos de estiagem na região desde o século 16, feitos pelos colonizadores portugueses. Migração em massa, fome, sede e miséria são as mazelas associadas à seca nordestina (leia a página anterior).

Soluções emergenciais
Para minimizar os efeitos da seca, o Ministério da Integração Nacional desenvolve ações emergenciais, como a Operação Carro-Pipa, a cargo do Exército, em 890 municípios nordestinos. O governo federal também tem acelerado a construção de cisternas, parte do Programa Água para Todos. Cisternas são reservatórios que captam água da chuva por meio de sistema de calhas e canos.

Os municípios que fazem parte do programa criam um comitê gestor, que seleciona as famílias sem acesso à água que receberão uma cisterna. De 2011 até agosto de 2014, foram construídas 694.943 cisternas. "As cisternas são uma alternativa de utilização de água de chuva que podem tornar-se uma política de ampliação da oferta hídrica nos grandes centros urbanos. Em algumas cidades, isso já está acontecendo", informou o secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, Irani Braga Ramos. Outra medida é a perfuração e a recuperação de poços de água em áreas críticas. Os recursos são enviados pelo governo federal para execução pelos governos estaduais. Até março deste ano, foram concluídos 1.234 poços, ao custo de R$ 63,5 milhões. A prioridade é dada a áreas com baixa disponibilidade de água para abastecimento por carros-pipa.

Para o ministro da Integração Nacional, Francisco Teixeira, a grande diferença em relação às medidas anteriores está em programas como o Bolsa Estiagem, associado ao Bolsa Família, que garantem renda à população mais pobre. O Bolsa Estiagem, no valor de R$ 80, é pago a mais de 220.417 pessoas em 600 municípios, segundo dados de outubro. O governo federal mantém ainda o Garantia-Safra, para dar uma renda mínima a agricultores com renda familiar mensal igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que perderam a safra. "Os instrumentos de transferência de renda tornam o sofrimento das pessoas menor do que já foi no passado", acredita o ministro.

Projetos estruturantes
O Programa de Aceleração do Crescimento 2 tem R$ 5,9 bilhões para a construção de 1,6 mil sistemas de abastecimento de água, como reservatórios elevados, que permitem a distribuição de água por meio de chafarizes, torneiras públicas e pequenas redes. Também está prevista a construção de 20 barragens para abastecimento da população, para irrigação e para geração de energia, o que aumenta a capacidade de sustentabilidade econômica regional. Com esse objetivo, foram alocados R$ 2 bilhões.

Outra iniciativa é a construção de sistemas adutores que possibilitam o aproveitamento das águas represadas em barragens ou açudes. A intenção é entregar 61 sistemas adutores em todo o Nordeste e no norte de Minas Gerais, ao custo de R$ 19,3 bilhões. "Muitos municípios do semiárido captam água diretamente do rio. Com a estiagem, os rios secaram e as cidades não têm sistema adutor que permita receber água de reservatórios e garantir segurança hídrica à população", disse Guillo. O dirigente citou o caso de Jucurutu, no Rio Grande do Norte, que capta do Rio Piranhas, mas não tem adutora para a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, que fica a 15 quilômetros.

"O Ministério da Integração decidiu recentemente construir essa adutora. Mas precisamos pensar numa infraestrutura de adutoras que tenha resiliência, que seja capaz de enfrentar esses períodos de alternância chuva e seca, que, infelizmente, nos parecem, serão cada vez mais frequentes", explicou. O senador José Pimentel (PT-​CE) cobrou mais agilidade para as obras no Nordeste. "As águas já deveriam ter chegado entre 2013 e 2014. Tivemos problemas de execução nos canais, tivemos uma paralisação de 2011 a 2013, o que nos obrigou a voltar com o carro-pipa em várias cidades do Nordeste Setentrional. Essas águas já poderiam ter diminuído a utilização do carro-pipa. Não iriam resolver em definitivo, mas diminuiriam o sofrimento", afirmou o senador.

Seco e populoso, semiárido abrange nove estados
O clima semiárido se caracteriza pelos baixos índices pluviométricos e pela dificuldade de previsão das estações chuvosas. No Brasil, a região semiárida abrange grande parte dos territórios dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, na Região Nordeste, e o norte de Minas Gerais, na Região Sudeste. A região ficou conhecida como Polígono das Secas.

O semiárido brasileiro ocupa 90% da Região Nordeste e 17% do estado de Minas Gerais, totalizando 11,5% do território brasileiro. De acordo com o estudo realizado pela Câmara dos Deputados Desafios à Convivência com a Seca, a estiagem no semiárido é um fenômeno cíclico: de 13 em 13 anos, há um ciclo curto de um a dois anos de seca e, de 26 em 26 anos, há um ciclo mais longo de três a cinco anos de seca. O bioma dominante no semiárido é a Caatinga. Os rios são, na maioria, intermitentes e possuem índice baixo de escoamento, da ordem de 4 litros por segundo. A média nacional é de 21 litros por segundo.

Cerca de 22 milhões de pessoas vivem no semiárido brasileiro. Trata-se da região semiárida mais populosa do mundo, segundo o estudo da Câmara. Aproximadamente 82% da população local possui índice de desenvolvimento humano (IDH) baixo (0,65 numa escala que vai de 0 a 1). Quanto mais próximo de 1, mais elevado. O índice brasileiro é 0,744. A economia é marcada pela atividade agropecuária, destacando-se a presença da agricultura tradicional e, em algumas localidades, da agricultura irrigada. Como a devastação é grande a cada período de seca, a recuperação econômica completa só se dá em um prazo de cinco a seis anos.

No Ceará, obras se estendem por 256 km
Em março, o governo federal inaugurou, no Ceará, o último trecho de obras do Eixão das Águas, um conjunto de adutoras, estações elevatórias, reservatórios, aquedutos e canais com extensão de 256 quilômetros. Estima-se que a obra de infraestrutura hídrica garantirá o abastecimento de água para 4,2 milhões de pessoas da Região Metropolitana de Fortaleza nos próximos 30 anos.

A obra integra o PAC 2 e consumiu R$ 1,5 bilhão. O Eixão se inicia no Açude Castanhão e, até chegar a Fortaleza, abastece outros 18 municípios do estado. "Já reivindicamos um novo projeto para os 30 anos após esses 30, para ter a garantia de que não vamos ter nenhum tipo de colapso na região metropolitana, onde está metade da população cearense", disse o senador Inácio Arruda.

De acordo com o diretor da ANA, Vicente Andreu Guillo, o Ceará não tem só a melhor gestão de águas do semiárido, mas do Brasil. "Eles têm planejamento e capacidade de execução. A água é um dos pontos centrais das decisões políticas no estado, coisa que, na maioria dos estados, não acontece. Por exemplo, existem estados que nunca deram uma única outorga. Existem estados que têm um servidor cuidando da gestão de recursos hídricos. Com essa realidade, é difícil ter uma gestão homogênea", avaliou. O planejamento não impediu, no entanto, que o sertão esteja sofrendo com a seca que atinge o semiárido. Cerca de 125 municípios cearenses, de um total de 186, decretaram situação de emergência. A maior parte das cidades está sendo abastecida por carros-pipa. Foram contratados 1.164 "pipeiros", que trabalham sob coordenação do Exército.

Solução federativa no Rio Piranhas-Açu.
Um exemplo de bom uso dos recursos hídricos é o da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu, que abrange a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Como a bacia é de fundamental importância para os dois estados, foi criado, em 2006, um comitê interestadual para gerir o uso das águas. Conflitos federativos pelo uso compartilhado das águas são cada vez mais comuns no Brasil. Formar comitês de bacias hidrográficas de rios intermitentes, como os do semiárido, é uma tarefa ainda mais difícil. No entanto, paraibanos e potiguares foram bem-sucedidos na tarefa.

É o que afirma o diretor-presidente da ANA, Guillo: "A possibilidade de um marco regulatório estabelecido pelo comitê de Bacia Hidrográfica Piancó-Piranhas-Açu tem permitido a convivência numa região que está enfrentando a pior seca dos últimos anos". Em outubro de 2014, dada a situação de grave estiagem, a ANA restringiu o uso das águas da bacia para irrigação e aquicultura. Os usuários dos municípios paraibanos de Coremas, Cajazeirinhas, Pombal, Paulista e Riacho dos Cavalos só podem captar água nas segundas, quartas e sextas-feiras. Os usuários dos municípios de São Bento (PB), Jardim de Piranhas (RN) e Jucurutu (RN) só podem captar água nas terças, quintas e sábados. No domingo, é proibida a captação para essas atividades.

O Rio Piranhas-Açu nasce na Serra de Piancó, na Paraíba, e desemboca próximo à cidade de Macau, no Rio Grande do Norte. Como a maioria dos rios do semiárido nordestino, à exceção do São Francisco e do Parnaíba, é um rio intermitente (o fluxo d'água não é permanente). A perenidade do fluxo é assegurada por dois reservatórios construídos pelo Dnocs, o Coremas-Mãe d'Água, na Paraíba, e o Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte. A bacia abarca 147 municípios, sendo 102 na Paraíba e 45 no Rio Grande do Norte. Nessas localidades, vivem aproximadamente 1,3 milhão de habitantes, 67% deles na Paraíba.

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