
Dilma na chegada da tocha olímpica: o evento ficará para Temer(Jefferson Coppola/VEJA)
Entre os muitos enganos que a presidente Dilma cometeu desde
que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, um foi definitivo
para selar seu destino. Dilma sempre teve certezas demais. Acreditou que seria
capaz de "corrigir" certas leis de mercado, convenceu-se de que poderia governar
apenas com quem bem quisesse e pensou que conseguiria pairar, impoluta, "acima
da sujeira do PT". Agora, a última certeza presidencial é que o seu afastamento
iminente do poder é o resultado de um complô tecido com os fios da vingança, do
oportunismo e da ambição - um golpe urdido por Eduardo Cunha, apoiado pela
oposição e consumado por Michel Temer, a quem hoje dedica os epítetos mais
cabeludos, sendo "santinho de prostíbulo" o mais suave deles.
A poucos dias da votação no Senado que deve determinar seu
afastamento provavelmente sem volta, Dilma está mais isolada do que nunca. No
Palácio da Alvorada, recolhida aos aposentos privativos no 2º andar, evita até
mesmo lidar com os servidores, que trata como espiões ou espectadores incômodos
do seu calvário. Na hora das refeições, a comida sai da cozinha e é enviada às
dependências presidenciais por um elevador. Os servidores só ficam sabendo como
anda o humor da chefe quando ela liga para a cozinha reclamando de algo (o
fracasso em servir ovos cozidos no "ponto Dilma" - gema mole e clara dura - já
derrubou ao menos um taifeiro).
Todos os presidentes da República padecem de solidão, mas é
certo que Dilma é uma presidente mais sozinha do que foram seus antecessores. No
Alvorada, mora só com a mãe. Dilma Jane, de 92 anos, é assistida diariamente por
três enfermeiras, locomove-se em cadeira de rodas e, por causa dos lapsos de
memória, já não é capaz de fazer companhia à filha. Recentemente, Dilma chamou
um deputado petista, que é também advogado, para ir ao Alvorada num sábado
discutir estratégias de defesa. O deputado chegou no meio da tarde e permaneceu
a seu lado por duas horas e meia. Na saída, espantou-se ao perceber que, durante
todo esse tempo, o celular de Dilma não tocara nenhuma vez - ninguém havia
procurado a presidente.
Circunstâncias pessoais e políticas ajudaram Dilma a erguer seu
próprio muro. Tendo ocupado cargos gerenciais na maior parte da vida, aprendeu
sobretudo a mandar. Subordinados conhecem bem o seu estilo. A presidente quer
tudo para ontem ("Te dou meio segundo pra me trazer essa informação"). Acha que
entende de qualquer assunto ("O que ocê tá falando é uma besteira. Olha aqui,
lição de casa pra você"). Impacienta-se diante de um trabalho que considera
malfeito ("Ocês só fazem porcaria, só fazem m., pô"). Quando está exasperada,
não deixa o interlocutor terminar as frases ("Ô... ô... ô, querido: negativo.
Pode parar já"). Por fim, nos momentos de grande fúria, pode mesmo lançar
objetos sobre o seu interlocutor (grampeadores de seu gabinete já tiveram de ser
repostos mais de uma vez).
Pouco empenhada na arte de agradar, frequentemente frustra
aliados carentes de afagos. No último dia 14, por exemplo, às vésperas da
votação da Câmara que decidiu pela abertura do impeachment, convidou ministros e
deputados da base para um café da manhã no Alvorada. Muitos dos parlamentares,
governistas de primeira hora, nunca haviam pisado no palácio antes. Um deles, do
PR mineiro, ao passar ao lado da piscina de 50 metros de comprimento onde Dilma
entrou apenas duas vezes em seus seis anos como presidente, comentou com
assessores palacianos: "Bem que ela poderia convidar a gente para nadar aqui um
dia". Esse tipo de coisa nunca passou pela cabeça da petista. Pelo contrário,
Dilma se notabilizou por gestos bem menos simpáticos, como riscar na última hora
da lista de passageiros do avião presidencial parlamentares previamente
convidados a viajar com ela.
Se nunca se deu ao trabalho de distribuir os pequenos mimos que
tanto aquecem o coração dos políticos, não foi apenas porque isso não é do seu
feitio, mas porque os atalhos que a levaram à Presidência permitiram-lhe pular
certas etapas. "Dilma nunca disputou uma prévia nem tinha enfrentado uma
campanha antes de virar presidente da República. Recebeu o cargo numa bandeja.
Não teve de aprender a seduzir", afirma um de seus ministros mais próximos.
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