As
revelações da delação premiada do empresário Joesley
Batista abalaram o governo do
presidente Michel Temer (PMDB) e abriram a possibilidade de que ele
não termine o mandato herdado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) após o
impeachment. Com base no depoimento de Joesley, a Procuradoria-Geral
da República (PGR) acusou o presidente de
corrupção passiva, obstrução de Justiça e pertencimento a organização criminosa. Defendido por
ministros e travando uma batalha jurídica, Temer ainda não está fora de jogo. O
presidente diz que fica e tenta articular a base aliada para reagir às pressões
e retomar a agenda de votações – conta com a adesão de aliados que apoiam as
reformas econômicas independentemente dele, para passar a impressão de
normalidade e, com isso, afastar o fantasma da crise.
Temer
nunca gozou de altos índices de popularidade. Desde que assumiu, pouco superou
os índices pífios de apoio popular da antecessora, Dilma. No entanto, a
peça-chave de seu governo é, desde o primeiro dia, o apoio de uma ampla base
aliada, que esmagava a oposição e aprovava medidas difíceis, da PEC do Teto de
Gastos até a reforma do ensino médio. A
crise política comprometeu a imagem de Temer faltando um ano e cinco meses para
as eleições diretas, na qual os políticos que hoje apoiam o presidente
precisarão, em sua maioria, voltar às urnas para renovar seus mandatos. Até a
divulgação da gravação envolvendo o peemedebista, o governo dava sinais de
solidez e força política, conseguindo convencer parlamentares a votarem junto
com a base mesmo com a impopularidade do presidente.
Eliseu Padilha e Moreira Franco: ex-ministros de Dilma Rousseff e ministros fortes de Temer (Pedro Ladeira/Folhapress)
É aí que parece estar o fio de esperança para que o
governo se salve e continue até dezembro de 2018. As próximas votações no
Congresso tendem a ser essenciais no esforço de convencer que Temer tem as
condições para agregar a base e seguir com os projetos encaminhados. A
aderência de partidos como o PSDB, o DEM e o PPS às reformas
econômicas é um ponto a favor, uma vez que esses partidos tendem a apoiá-lo
mesmo ainda receosos quanto a sua permanência. Por outro lado, parlamentares
que temem ser penalizados pelos eleitores podem não querer arriscar seu nome em
defesa de um governo sob suspeita. Caso o cargo de presidente da República
fique vago, há atualmente quatro cenários possíveis, em maior ou menor grau:
renúncia de Temer, cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), impeachment
pelo Congresso ou afastamento pela Justiça por crime comum. Veja o que pode
ocorrer em cada uma dessas cinco situações:
RENÚNCIA
Desde a
quinta-feira, quando fez o seu primeiro pronunciamento público após as
revelações do escândalo da JBS, Temer tem reiterado que não renuncia ao cargo e
que tem condições de recompor o apoio de sua base política e retomar a sua agenda
de reformas econômicas no Congresso. Até os aliados mais próximos concordam, no
entanto, que uma eventual saída do PSDB e do DEM representaria o fim político
da gestão. Por enquanto, apenas o PSB anunciou a saída da base.
“Não renunciarei” – Presidente Michel Temer faz pronunciamento após delação da JBS (Evaristo Sá/AFP
O que acontece: Caso fique de fato sem saída e renuncie,
Temer será substituído interinamente pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que
terá de convocar em até 30 dias eleições indiretas,
por meio do Congresso Nacional, para a escolha do sucessor. A Constituição
só prevê eleições diretas caso o cargo fique vago nos primeiros dois anos do
mandato.
A Carta Magna diz que essa votação deveria
ocorrer “na forma da lei”, mas não há uma legislação atual que esclareça os
detalhes desse procedimento. Resquício da ditadura militar, uma norma de 1964
prevê que a sessão de eleição deve ser comandada pelo presidente do Senado,
hoje Eunício Oliveira (PMDB-CE), e
que os 594 congressistas – 513 deputados e 81 senadores – votem de forma
secreta. O paralelo é com a Lei do Impeachment, norma de 1950 que também não
foi atualizada após a Constituição de 1988. Em casos como esses, cabe ao STF especificar as regras do pleito. Uma das
principais questões que se colocam é: afinal, quem poderia ser candidato?. O
entendimento padrão da Constituição é que brasileiros, maiores de 35 anos,
filiados a partidos políticos há pelo menos um ano e desincompatibilizados de
cargos anteriores são elegíveis para serem presidentes. Isso excluiria, por
exemplo, nomes cotados como a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia,
e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), porque não
teriam deixado o cargo a tempo. Existem questionamentos se seria possível abrir
uma exceção para o caso de eleições presidenciais indiretas.
Quem defende: O PSB (que
deixou a base de Temer após a revelação do escândalo) e personalidades públicas
como o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.
Senadores de perfil mais independente, como Álvaro Dias (PV-PR), Cristovam
Buarque (PPS-DF) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), também afirmaram que o ideal seria
que o presidente deixasse o cargo por iniciativa própria. Líderes da esquerda,
a exemplo de Lindbergh Farias (PT-RJ), engrossam o coro, mas ressaltando que
deve ser aprovada, também, uma emenda para eleições diretas.
Em quanto tempo Temer sairia: Imediatamente
CASSAÇÃO PELO TSE
Outro cenário que pode levar às eleições indiretas
é a cassação da chapa Dilma-Temer pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso
de poder econômico nas eleições de 2014. O julgamento recomeça no dia 6 de
junho, mas pode ser suspenso se qualquer ministro optar por pedir vistas.
Apesar de ser um processo eleitoral, o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, já declarou em abril que o tribunal
inevitavelmente consideraria o impacto político de suas decisões. E a
interpretação de lideranças da oposição é que o escândalo envolvendo Temer
enfraqueceu o argumento de que a sua permanência é uma garantia para a
estabilidade do país.
Sessão de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do processo movido pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativo às eleições de 2014 – 04/04/2017 (Roberto Jayme/Ascom/TSE)
O
que acontece: Em
caso de cassação da coligação formada por Temer e Dilma em 2014, há uma disputa
jurídica sobre a realização de eleições diretas (uma vez que invalidaria o
resultado da disputa daquele ano) ou indiretas, com uma ação ainda em discussão
no STF. Inédita, a situação abre a possibilidade para uma disputa de
recursos ao Supremo e tentativas de afastar o presidente dos delitos
possivelmente cometidos pela campanha da cabeça-de-chapa, em busca de uma
punição mais leve que não envolva a perda do cargo.
Quem defende: Essa hipótese é
prioritária para a ex-senadora Marina Silva (Rede), que
defende desde 2015 a tese de que a campanha de Dilma, da qual Temer era
vice, cometeu abuso de poder econômico na disputa presidencial. No entanto, a
possibilidade de que o presidente possa seguir resistindo à renúncia pode
fazer com que outros setores abracem à causa, como os defensores das eleições
diretas (já que o STF ainda não encerrou a possibilidade de que elas ocorram
nesse cenário).
Quando Temer sairia: entre 11 e 584 dias,
a depender dos pedidos de vista e de possíveis recursos.
IMPEACHMENT
Dezessete pedidos de impeachment foram apresentados
à Câmara até sexta-feira. Um, em especial, foi apresentado na quinta-feira pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Para que se inicie um processo do tipo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ0, deve aceitar o pedido e instaurar uma comissão, em uma sequência
semelhante ao processo que impediu Dilma. Aliado de Temer, Maia é acusado
por opositores de engavetar os pedidos contra o presidente. Ele nega: “eu não
posso avaliar uma questão tão grave como essa num drive-thru. Não é assim, não
é desse jeito. Quanto tempo não se discutiu aqui a crise do governo Dilma?
Então, nós temos de ter paciência”.
O que acontece: Aceito por Maia e com relatório
favorável aprovado em comissão, o pedido vai ao plenário da Câmara. Se também
aceito, o Senado é instado a também instalar uma comissão e prosseguir com
a análise da acusação apresentada. Se um relatório a favor do impedimento for
aprovado, em plenário, por dois terços dos senadores, Temer é afastado. Maia
assume interinamente até a conclusão do julgamento, quando, sendo Temer
condenado, se sucederia a votação indireta.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem nas mãos o poder de aceitar ou não os pedidos de impeachment contra Temer – e substituí-lo interinamente caso algum seja bem-sucedido
Quem
defende: Encaminharam
pedidos à Câmara os deputados federais Alessandro Molon (Rede-RJ), João
Gualberto (PSDB-BA), JHC (PSB-AL), Diego Garcia (PHS-MG) e o senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP). Além do pedido feito pela OAB, considerado o mais
importante e concreto, outro que se destaca é o encabeçado pela advogada
Beatriz Vargas, um reúne partidos de esquerda como PT, PCdoB, PSOL, Rede e PDT.
Quando Temer sairia: o processo por crime
de responsabilidade envolve diversas fases processuais e pode variar de acordo
com a quantidade de testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como
recursos protelatórios e a quantidade semanal de sessões nas Casas
legislativas. Entre a instalação da comissão especial na Câmara e o julgamento,
o processo que condenou Dilma teve duração de pouco mais de cinco meses.
INQUÉRITO NO STF
Por fim, a delação do empresário Joesley Batista
levou à abertura de um inquérito contra Temer no STF. Até então, o presidente
não era investigado na Justiça por ter imunidade, como chefe de estado, em
relação a crimes que não têm ligação com o mandato. Como a gravação do dono da
JBS ocorreu em março deste ano, o ministro Edson Fachin pôde aceitar o
pedido de abertura de investigação feito pela Procuradoria-Geral da República
(PGR).
O que acontece: Se a investigação for concluída
com um pedido de denúncia da PGR, este vai para a Câmara dos Deputados. Se dois
terços dos parlamentares aprovarem, ela é encaminhada para a avaliação do
relator no Supremo, o próprio Fachin. Por fim, se ele decidir aceitar a
denúncia, Temer vira réu e é afastado automaticamente do cargo até a conclusão
do processo.
O ministro Edson Fachin
Quem
defende: A
hipótese é pouco comentada pelas principais forças políticas, por ser complexa.
Depende da conclusão do inquérito, da oferta da denúncia e da aceitação desta
pela Câmara e por Fachin. Quem já disse que esse pode ser um caminho é a
advogada Janaína Paschoal,
uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma. Janaína também trata como
uma última opção, uma vez que tem falado da renúncia e, como conselheira da
OAB-SP, votou a favor do pedido de impeachment.
Quando Temer sairia: isso dependeria do
prazo necessário para que a PGR conclua as apurações e ofereça, ou não,
denúncia contra o presidente. Para isso, dois terços da Câmara dos Deputados
precisam autorizar e o Fachin, recebê-la. Não há prazo pré-definido para
os procedimentos.
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