
O Caminhos da Reportagem se inspirou na
exposição Vaivém, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil
(CCBB) em quatro cidades pelo país, para tratar de um objeto que está presente
na cultura brasileira: as redes de dormir. A equipe de reportagem viajou ao
Amazonas e ao Ceará, onde o costume da rede é mais arraigado, em busca de
histórias de pessoas que usam as redes de dormir no cotidiano. O programa vai
ao ar neste domingo, às 21h30.

Criança amazonense no embalo da rede. - Divulgação/Caminhos
da Reportagem
Raphael Fonseca é doutor em História e foi o
curador da exposição Vaivém. Ao Caminhos da Reportagem, ele explica que a
rede é um objeto constante da nossa cultura. “Há muitos significados, muitos
usos e muitos símbolos por trás dela”, explica. “Eu acho que é totalmente
possível contar a História do Brasil a partir da rede”, completa. A rede está ligada à necessidade de descanso devido
ao trabalho braçal no calor em que os brasileiros vivem. Mas ela também está
muito associada à representação da preguiça. Raphael Fonseca volta à história
para explicar de onde vem o estereótipo da preguiça quando pensamos em redes.
“Em 1808, dom João VI foge de Napoleão, vem para o Brasil e se instala aqui.
Uma vez que o Brasil tenta ser um país moderno, com mais móveis e um novo
urbanismo, a rede pouco a pouco começa a ser vista como uma coisa de um corpo
preguiçoso, uma coisa arcaica”, afirma. Além de sinônimo de férias e de descanso, a rede é
um costume na vida de muitos brasileiros. No trajeto de barco que liga o
município Novo Airão à capital Manaus, no Amazonas, as redes substituem as
poltronas de viagem. A travessia de barco dura nove horas e custa R$ 40. Cada
passageiro precisa levar a sua rede. Para os amazonenses e turistas que fazem a
viagem pelo rio Negro, o diferencial é a paisagem.

No trajeto de barco que liga o município Novo Airão
à capital Manaus, no Amazonas, as redes substituem as poltronas de viagem.
- Divulgação/Caminhos da Reportagem
A rede é também fonte de renda para muitas pessoas.
A produção de redes é uma atividade típica e tradicional do estado do Ceará. O
município de Jaguaruana é conhecido como a terra da rede. Raimunda da Silva
trabalha como artesã desde os 12 anos de idade no sertão cearense. Um trabalho
que aprendeu a fazer com a mãe. “Aqui é a terra da rede né? E realmente é
mesmo, porque todo trabalho da rede é feito aqui em Jaguaruana. Começa desde o
algodão até o término da rede”, conta.

Produção de rede em uma fábrica em Eusébio, região
metropolitana de Fotaleza. - Divulgação/Caminhos da Reportagem
Uma rede, para ficar pronta, passa pelas mãos de no
mínimo dez pessoas se tiver acabamentos mais simples. Aquelas redes mais
sofisticadas podem envolver até 20 pessoas. Maria José Maia, mais conhecida
como Mazé, é fabricante de rede e trabalha com o fio, como ela diz, há 40 anos.
“Eu não quero deixar de trabalhar com o fio. Eu que levanto cedo para abrir a
fábrica para os tecelões e eu é quem fecho, a responsabilidade é minha”.

Mazé trabalha na fabricação de redes há 40 anos.
- Divulgação/Caminhos da Reportagem
O antropólogo e educador Babi Fonteles, da
Universidade Federal do Ceará, lembra que a rede acompanha toda a trajetória da
vida, desde o nascimento até a morte, no momento do sepultamento de uma pessoa.
Ele conta que quando um parente falecia e a família não tinha dinheiro para
mandar fazer o caixão, a pessoa era levada para o cemitério, então, na própria
rede.
Assim como a rede está associada ao momento da
morte, ela também guarda uma relação com o nascimento e a maternidade. No
Hospital Regional de Ceilândia, no Distrito Federal, os bebês são colocados em
redes nas incubadoras da UTI neonatal. A terapeuta ocupacional Hellen Rabelo e
a fisioterapeuta Fernanda Nunes são as criadoras do projeto Neném na Rede. Elas
explicam que a literatura científica descreve os benefícios do uso da rede
dentro da unidade neonatal. Com a terapia em rede, elas tentam fazer uma
simulação do bebê como se ele estivesse dentro do útero da mãe. “Os bebês ficam
durante cerca de duas horas na rede em alguns dias da semana, e a gente vê essa
explosão de humanização e de benefícios para os bebês e para as famílias”, diz
Hellen. O hospital onde elas atuam fica no Distrito Federal, mas a costureira
que faz as redinhas 100% de algodão para o projeto é cearense.


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