No sertão de Pau dos Ferros, no
Grande do Norte, divisa com o Ceará, uma escola profissionalizante virou marco
na paisagem e símbolo de esperança. Lá é ministrado o primeiro – e único –
curso de apicultura de um instituto federal do país. A estrutura é de fazer inveja a muita
escola de elite mundo afora. Grande parte da eletricidade que consome é gerada
lá mesmo, captando luz solar nos telhados.
O Instituto Federal Rio Grande do
Norte (IFRN) tem ainda ar condicionado e aparelhagem completa de data show, com
telão e controle remoto para os professores, em todas as salas. As turmas fazem Ensino Médio
completo, incluindo aulas de língua estrangeira. Classes de música também estão
na grade de ensino. Mas os estudantes não recebem apenas a educação padrão,
aprendem junto uma profissão. Além do curso de apicultura, eles podem escolher
o curso de tecnologia de alimentos e de informática. Dos 1 mil alunos do instituto, 250
cursam apicultura. A seleção é concorrida e, do total de vagas, 50% são
reservadas para alunos de escolas públicas.
Segundo a diretora Antonia Francimar
da Silva, de cada dez alunos, sete vêm de classes mais populares. É o caso do João Victor Pires da
Silva, filho de agricultores, que acorda às 4h30 e viaja 60 quilômetros todos
os dias, de moto e ônibus, para chegar à escola. Também é o caso de José Kelvin
de Araújo Silva, filho de um conhecido tapioqueiro da região, José Zildomar
Silva, chamado de Zé Tapioca. A instituição provoca na região uma
transformação parecida com a que acontece quando chove na caatinga, quando a
vida explode e fica tudo verdinho. Com educação de excelência, a juventude
floresce e a cidadania frutifica.
Apicultura do campo à indústria
O curso de apicultura vai na vida
real das profissões, para que o aluno já possa, se for o caso, ter um ganha pão
longo que conclui o Ensino Médio. Por isso, as aulas práticas são intensas.
Em dos experimentos práticos, por
exemplo, os estudantes desenvolvem estruturas que simulam ninhos para que os
apicultores possam criar as abelhas solitárias, sem ferrão e que não formam
enxames, que polinizam com mais eficiência algumas culturas e também têm papel
importante na preservação da vegetação nativa da região. Já foram coletadas no
instituto cerca de 300 dessas abelhas, de 15 espécies diferentes.
Além de técnicas de produção,
propriamente, o curso oferece também uma formação mais científica sobre os
chamados aspectos físico-químicos dos derivados da abelha, com muita pesquisa
de laboratório. É que só uma análise técnica pode indicar a qualidade do mel. "Por que ter aulas com todo esse
conhecimento de análise? Porque enquanto técnicos eles podem prestar
consultoria aos produtores, para já dividir e classificar (o mel)", diz a
química e professora do instituto Luciene de Mesquita Carvalho.
Poderão também prestar consultoria
para solucionar um desafio que, na caatinga, é maior que em outras regiões do
país, a falta de pasto apícola causada pelos longos períodos de estiagem. Nas classes, os alunos aprendem a
produzir o chamado "bife das colmeias". Trata-se de uma pasta feita
de albumina, uma proteína presente no ovo, da qual os insetos passam a se
alimentar quando não encontram mais néctar nem pólen na vegetação ao redor. Diferentes tipos de alimentação
artificial para as abelhas vêm sendo testadas em laboratório há três anos pelo
professor do instituto e biólogo Antonio Abreu.
Formação que abre mercado
A educação integrada com formação
profissional atraiu novas empresas, novos negócios, novos empregos na região de
Paus dos Ferros. Em um sítio em Marcelino Vieira, os
produtores vivem um momento histórico. Fazia seis anos que a caatinga, o
semiárido do Alto Oeste do Rio Grande do Norte não via chuva. Com ela, a
agricultura voltou e a apicultura também. Eles acabaram de realizar a primeira
safra de mel deste ano: cerca de 10 toneladas, um resultado até bom diante do
baque que os enxames sofreram com a longa estiagem.
Dois fatores contribuíram para a
reviravolta que estão dando, além do clima: o conhecimento prático do seu
Antonio Medeiros, o pioneiro que 30 anos atrás começou a montar apiários na
região e, sobretudo, a contribuição do curso do curso que o apicultor Euzir de
Queiroz fez. Ele se formou na primeira turma de apicultura do IF, em 2015, e
aprimorou várias técnicas para manter e fortalecer os enxames na época que não
tem florada. "Antes eu era criador e com o
curso eu adquiri o conhecimento teórico. E hoje vejo isso como fundamental para
o crescimento dos meus enxames", avalia Euzir. E o dinheiro do mel ficou importante
na região. "Com ele é que a gente mantém a criação de gado, que compra a
ração dos animais, para quem tira leite especialmente. Ele é importante demais
para a gente”, diz Antonio.
Educação que amplia horizontes
Mas nem todos os alunos do instituto
pretendem abraçar a profissão aprendida ali. Segundo a diretora, pela qualidade
do ensino, muita gente procura o curso profissionalizante como plataforma para
a universidade. O José Kelvin, por exemplo, quer ser
psicólogo. Há mais de 50 alunos que saíram do IF para fazer medicina e mais de
cem fazendo engenharia. "A qualidade do ensino que é
ofertado aqui é que proporciona isso.
Ele (o estudante) pode até não ser o
apicultor (...) mas ele vira um engenheiro agrônomo, um engenheiro de produção,
um médico, um enfermeiro, um advogado". Porém, boa parte da turma de
apicultura sonha em trabalhar com as abelhas, como João Victor. "Antes de entrar no curso de
apicultura, eu não me via como apicultor, eu não sabia, na verdade, a definição
de apicultura. Hoje eu posso afirmar que sou apaixonado pela apicultura."