
Para a Polícia
Federal, o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, não só tinha conhecimento de que o ex-procurador Marcello
Millertrabalhava para a JBS como
sabia que ele vinha atuando “de forma indireta” no acordo de delação premiada
firmado pela cúpula da empresa. As evidências disso, de acordo com os policiais
encarregados da investigação sobre uso de informação privilegiada pelos
irmãos Joesley e Wesley
Batista, estão em mensagens trocadas por Miller com os principais
dirigentes da companhia. O ex-procurador participava de um grupo de WhatsApp
com os Batista e diretores da JBS.
Uma das mensagens mais reveladoras, na avaliação
dos investigadores, foi enviada pelo ex-procurador ao grupo na quarta-feira 5
de abril. Era o último dia de vínculo formal de Miller com o Ministério Público
Federal. Com sua exoneração já publicada no Diário Oficial, para
se desligar por completo ele só precisava concluir um período de férias
atrasadas. Apesar disso, diz a PF, já estava servindo aos interesses da JBS
havia algum tempo. As trocas
de mensagens mostram Miller orientando os irmãos Batista quanto à melhor
maneira de proceder nas tratativas com o gabinete do procurador-geral da
República para fechar o acordo de delação. A sequência começa com a advogada
Fernanda Tórtima, contratada pela JBS. Ela informa ao grupo que o gabinete de
Rodrigo Janot havia convocado Joesley para prestar depoimento dois dias depois.
Os demais participantes estranham a convocação, porque os detalhes do acordo de
delação ainda não tinham sido acertados – a assinatura ocorreria só um mês
depois. ”Vamos negociar primeiro”, diz Francisco
de Assis, diretor jurídico da JBS. Wesley Batista, irmão de Joesley,
emenda: “Também acho que temos que negociar as penas dos outros envolvidos,
grana e ter DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] acertado para irmos para os
depoimentos”.
É quando
Miller entra na conversa, com orientações de quem conhece a Procuradoria por
dentro: “Não pode ser depoimento. Isso só pode ser debriefing [um
interrogatório preliminar]. Se for depoimento, SB está jogando [SB, segundo a
PF, é Sergio Bruno, um dos auxiliares de Janot na Lava-Jato]. Até certo ponto,
normal ele fazer isso. Debriefing pode, claro. É só ressalvar no início.
Mostrar boa vontade”.
Francisco
de Assis então esclarece que seria mesmo um depoimento. E Marcello,
mostrando-se alinhado aos interesses do grupo, diz: “Nenhuma chance de
aceitarmos isso na minha humilde opinião”. Naquele mesmo dia, Miller tinha
viagem marcada para os Estados Unidos, onde, segundo os policiais, participaria
de reuniões sobre o acordo de leniência que a JBS negociava com autoridades
americanas. Miller
prossegue nas orientações, e chega a fazer troça referindo-se ao colega Sergio
Bruno: “Manda o SB trabalhar. Chamar a mesa da leniência. Dizer pros EUA que
quer esse acordo”. “A natureza dele [Sergio Bruno] vai ser a de tentar tudo que
ele conseguir… Normal. A gente tem de fazê-lo organizar o procedimento, ou no
mínimo que ele nos deixe fazer isso, com a ajuda dele”, completa.
Nesse
momento da conversa, observa a PF, a advogada Fernanda Tórtima revela que
Sergio Bruno e o procurador Eduardo Pelella, chefe de gabinete de Rodrigo
Janot, tinham conhecimento de que Marcello Miller viajaria aos Estados Unidos
para tratar de interesses da JBS. Além disso, escrevem os policiais em um dos
relatórios da investigação, o gabinete de Janot aguardaria um contato do
próprio Miller, que ligaria dos EUA para informar sobre as tratativas com as
autoridades americanas. “Lembra
que o Pelella disse que ficaria esperando uma ligação da Esther [outra advogada
a serviço da JBS] antes de fazer contato com o DoJ [Departamento de Justiça
americano]? Essa ligação será do Marcello”, diz Fernanda Tórtima. Ela
prossegue, referindo-se ainda à conversa que tivera com o auxiliar de Janot:
“Eu disse que ele teria que falar hoje com o DoJ e disse que o Marcello iria.
Nessa hora achei estranho ele [o assessor do procurador-geral] dizer que já
tinha a informação de que o Marcello iria”. Para a
PF, a sequência no WhatsApp mostra que o gabinete de Rodrigo Janot sabia da
ligação de Miller com a JBS. “Tais mensagens revelam que membros da
Procuradoria Geral da República tinham ciência de que Marcelo Miller estava
atuando de forma indireta nas negociações da delação premiada no dia seguinte à
sua saída efetiva do órgão”, escreveram os delegados em documento enviado à
Justiça Federal de São Paulo.
Compromisso – Nessa mesma troca de
mensagens, um mês antes da assinatura do acordo de delação, o diretor jurídico
da JBS menciona um “compromisso” firmado com o procurador Pelella, chefe de
gabinete de Janot. “Fernanda ele [Sergio Bruno] precisa por na mesa à Leniencia,
a imunidade e as demais penas corporais e que eles tem que assumir o
protagonismos no DOJ conforme o Pelela assumiu o compromisso [sic]. Amanhã a
gente combina a agenda do Joesley com eles”, diz.
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