O governo brasileiro considerou “sem efeito
juridicamente vinculante” a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de
garantir ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seus
direitos políticos, mesmo condenado e preso. Por meio de nota, Ministério das
Relações Exteriores afirmou que as conclusões do comitê têm apenas caráter de
recomendação. O Itamaraty sublinhou que a delegação permanente do Brasil
em Genebra não foi previamente avisada de sua manifestação sobre o caso do
ex-presidente nem recebeu do comitê pedidos de informação sobre o mesmo
processo. Também declarou que o órgão da ONU não é integrado por países, mas
por “peritos que exercem a função em sua capacidade pessoal”. A recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU,
se cumprida, garantiria a Lula o direito de concorrer nas eleições deste ano e
acesso à imprensa e a membros do seu partido, apesar de preso nas instalações
da Polícia Federal em Curitiba após ter sido condenado a 12 anos e um mês de
prisão em processo da Operação Lava Jato.
A deliberação será encaminhada pelo Itamaraty para o
Judiciário, que deverá providenciar uma resposta ao comitê da ONU. A decisão
preliminar desse órgão, com sede em Genebra, divide juristas ouvidos por VEJA. Paulo Borba Casella, diretor do Departamento de
Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
afirma ser essa decisão preliminar e sem consequências práticas até que o
governo brasileiro se manifeste oficialmente e haja uma revisão. Em sua opinião, o Brasil deve se manifestar ao
comitê o mais rapidamente possível para confirmar que todo o processo legal do
caso do tríplex no Guarujá – que levou Lula à prisão – foi seguido, com amplo
direito à defesa, e para sublinhar que a condenação do ex-presidente se
deu em duas instâncias da Justiça e foi respaldada pelas cortes superiores – o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). “Quem está condenado e preso tem seus direitos
políticos prejudicados”, assinalou.
Segundo Casella, situação similar ocorreu depois da
aprovação da reforma trabalhista pelo Congresso, quando a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) manifestou preliminarmente ser contrária às
mudanças sob o argumento de que elas feriam os direitos dos brasileiros. No
plenário da organização, depois das explicações de Brasília, concluiu-se que
não houve ilegalidade. Para o especialista em Direito Internacional, a
iniciativa dos advogados de defesa de Lula de levar seu caso ao comitê foi uma
“manobra que surtiu efeito”. A matéria, certamente, será revista. Valério Mazzuoli, professor-associado de
Direito Internacional Público da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
concorda que a decisão do comitê foi uma “medida precária e de caráter
liminar”. “A decisão do comitê é legítima, o que não significa que o
ex-presidente seja elegível em razão da condenação dele em segunda instância”,
afirmou. “Ele pode participar do pleito. Mas o comitê não muda em nada a
decisão da lei brasileira de que ele foi condenado em duas instancias e está
inelegível.”Mazzuoli sublinhou que os tratados de direitos
humanos valem mais que as leis e devem ser respeitados. Nesse caso, o comitê
diz que o ex-presidente pode concorrer – mas nada diz sobre Lula assumir a
Presidência da República se for eleito em outubro. O comitê decidiu a questão com base no Protocolo
Facultativo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, que reconhece a jurisdição
do Comitê de Direitos Humanos. O documento foi ratificado pelo Brasil
em 1992.
Dezesseis anos depois, o Supremo alocou os tratados no
nível supralegal, o que lhes deu precedência sobre as leis brasileiras.
Por isso, explica Mazzuoli, “não há como dizer que a decisão não vale”. O artigo 5 do Protocolo Facultativo estabelece que o
comitê, após receber as queixas e denúncias, dará seis meses ao Estado acusado
para emitir uma resposta. Depois disso, toma uma decisão a portas fechadas. Se
responder rápido ao comitê, como recomenda Casella, o governa tenderá a remover
possíveis ruídos do processo eleitoral. Se deixar para o último dia, a eleição
e posse do novo presidente já terão ocorrido.
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