Executada à exaustão sem os devidos créditos pela rádio BBC de Londres durante a Segunda Guerra Mundial, a valsa “Royal Cinema” é presença obrigatória no repertório de bandas filarmônicas do Brasil e exterior. Composta há 100 anos pelo maestro Tonheca Dantas (1871-1940), a mais internacional das músicas criadas em solo potiguar será a trilha sonora do 1º Encontro Sesc de Bandas de Música do Seridó, que acontece este próximo sábado (5) em Caicó. Verdadeiro marco do universo sonoro norte-riograndense, a valsa de Tonheca feita em 1913 sob encomenda para o Cinema Royal que funcionava na Cidade Alta, será executada na ocasião por cerca de 500 músicos de dez bandas que atuam na região. Estão programados desfiles pela cidade, a partir da praça Mons. Walffredo Gurgel, em frente a Catedral de Sant’Ana, até a Ilha de Sant’Ana, onde acontecem os concertos.
João Maria Alves
A valsa de Tonheca, feita em 1913 sob encomenda para o Cinema Royal, será executada por 500 músicos da região, entre os quais a Filarmônica de Cruzeta
“É o hino das bandas daqui do Rio Grande do Norte e de algumas da Paraíba. Tonheca era autodidata e sua composição traz um estilo seridoense sem influências externas”, disse o Maestro Humberto Bembem Dantas, principal articulador do Encontro. Bembem informou que a comemoração foi pensada “também” para mostrar o trabalho que as bandas do Seridó vem fazendo. “Vamos aproveitar esse momento para dar visibilidade e fazer com que a atuação das bandas repercuta em todo o Estado. Nosso maior interesse é estimular a criação de novas bandas e incentivar a formação de novos músicos”.
Há 25 anos na condução da Banda de Cruzeta, Bembem Dantas adiantou que, após o desfile, os naipes serão dispostos de forma que integrem todas as bandas. A expectativa é reunir cinco centenas de músicos para interpretar a versão original de “Royal Cinema”, pois “existem inúmeras versões e gravações: quinteto, quarteto de clarinetes, orquestra de câmara, orquestras, solo”, explicou o maestro. Em seguida, a ‘mega’ banda executa um dobrado inédito composto por Luiz Carlos Lima, sobrinho-bisneto de Tonheca Dantas, especialmente para o evento chamado “Aldeia Sesc 2013” (o Sesc-RN e a Fecomércio-RN são os patrocinadores do Encontro) e finaliza com o frevo “Vassourinhas”, de 1909, para lembrar a relação do compositor pernambucano Capiba com o Seridó – Capiba, que não é o autor de “Vassourinhas”, é primo de Honório Maciel, criador da banda de São João do Sabugi que hoje leva seu nome. A coordenação é da Associação Musical e Cultural do RN – Amusic. O maestro disse que não houve oportunidade para um ensaio geral, “mas todos receberam as partituras com os detalhes de andamento, de afinação, orientação das entradas. São músicas que estão praticamente no imaginário das bandas, então não teremos dificuldades”, explicou. Porém, antes dos concertos na Ilha de Sant’Ana, o professor e pesquisador Cláudio Galvão, autor da biografia “A Desfolhar Saudades” publicada em 1998 sobre Tonheca Dantas, fará palestra sobre o saudoso compositor.
Escola de vida
Bembem Dantas acredita que a música é uma escola e ser músico uma profissão: “As bandas tem um papel social de extrema importância em cidades do sertão nordestino e em muitos casos é a única opção de trabalho”, garante o maestro. “Quando o Sesc-RN me procurou para pensar em algo em comemoração ao centenário da valsa, lancei a proposta de juntar várias bandas justamente para valorizar e dar visibilidade a esse trabalho. Tenho certeza que será uma festa bonita”, entusiasma-se. Participam da festa a Banda Filarmônica 24 de Outubro (Banda de Cruzeta); Filarmônica Maestro Felinto Lúcio Santas, de Acari; Filarmônica 11 de Dezembro, de Carnaúba dos Dantas, terra natal de Tonheca; Filarmônica Elino Julião, de Timbaúba dos Batistas; Filarmônica de Jimmy Brito, de São José do Seridó; Banda Euterpe Jardinense, de Jardim do Seridó; Banda Recreio Caicoense; Filarmônica 11 de Fevereiro, de Parelhas; Filarmônica Dr. Rui Pereira dos Santos, de Serra Negra do Norte; e a Filarmônica Monsenhor Militão, de Campo Grande. Apesar de Campo Grande não ser do Seridó, o convite é tido como “especial” por Bembem: “Essa banda tem mais de 160 anos, foi fundada em 1848, e nunca parou”, ressaltou o maestro. “Em Campo Grande tem quatro bandas, estão formando a quinta”, completa. Já o grupo de Jardim do Seridó é o mais da região, foi fundado em 1856, e segundo cálculos de Humberto Dantas contabiliza, “por baixo”, mais de 30 mil apresentações. “Ela está presente em todas as festas: de padroeiro, sete de setembro, ano novo, dia das mães. São mais de 200 apresentações por ano”.
Site e filme
O centenário da valsa “Royal Cinema” também rendeu a criação de uma página eletrônica (tonhecadantas.com.br), que aglutina informações sobre o “Maestro do Sertão”. A página lista referências como o livro de Cláudio Galvão, aglutina biografia de Tonheca, conta a história da valsa, disponibiliza áudios e cita a produção de CDs gravados pela Orquestra Sinfônica do RN. A 10ª edição do Festival Gastronômico Prato do Mundo, que acontece em novembro no Beco da Lama, também irá homenagear a valsa.
Outro desdobramento que marca a passagem da data será o filme de ficção e o documentário idealizado por Buca Dantas. Ambos estão inscritos em projeto enquadrado na Lei de incentivo Câmara Cascudo, cujo orçamento total bate na casa dos R$ 1,3 milhões, mas o documentário começará a ser rodado por conta própria a partir deste sábado durante o Encontro de Bandas em Caicó. O roteiro terá como ponto de partida a biografia do professor Cláudio Galvão. “Tudo isso começou com a ‘provocação’ de um primo, Márcio Alberto Dantas, maestro da banda de Carnaúba dos Dantas, também vai fazer parte do evento. A historia é inspirada na valsa, na temática da saudade, mas será um filme atual com com pinceladas de época. Não vamos contar a historia de Tonheca, faremos referência a ele”, adiantou o cineasta.
Sistema de bandas
Elo formal entre as bandas filarmônicas e o Fundo Estadual de Cultura, o Sistema Estadual de Bandas foi criado de direito mas ainda não funciona de fato. O Sistema terá direito a 5% do valor total disponibilizado pelo FEC para viabilizar suas atividades. Bembem Dantas informou que recebeu “carta branca” para encaminhar as demandas. “Nossa meta é lançar o Sistema em janeiro, durante o Seminário de Bandas já aprovado pela Funarte/MinC. Estamos listando sugestões e vamos avançar degrau por degrau”, avisa. Um dos pontos divergentes é a intenção do Governo em incluir as fanfarras no Sistema. Bembem critica, informando que as fanfarras tem uma proposta “bem diferente” das bandas: “O repertório não é tradicional, tocam música baiana, forró, investem mais no visual que na formação musical e os músicos só tocam por cachê. Nas bandas tocamos por prazer, por amor à música”.