Eis uma daquelas histórias dignas de um roteiro de filmes inspiradores
(daqueles que o começo se inicia com “baseado em fatos reais”). Trata-se da
história de Joel Celso Dantas, que foi o descobridor da xelita (também escrita
Schelita) e do urânio no Nordeste. A história da sua vida é um comovente exemplo
do quanto pode a obstinação de um nordestino, por descobrir e provar a
ocorrência das incalculáveis riquezas e jazidas de minérios escondidos no
subsolo de sua terra. Alguém já bem o disse que devemos ler biografias de
grandes homens.É uma interessante síntese biográfica de uma grande homem
desconhecido. Nordestino, potiguar, caicoense!. A
Revista Manchete contou a história de Joel Dantas em 1957 quando ele estava no
Rio de Janeiro, na Casa de Saúde Santa Maria, nas Laranjeiras, tentando
recuperar sua visão.
Acompanhemos:
Ele nasceu em Caicó, aos 7 anos ficou cego por causa de uma
queratite (opacificação da córnea).Foi ao Recife se tratar, mas voltou
desiludido: ficara uma pequena réstia de visão embaçada, para a qual de nada
adiantaria o uso de óculos. Fez questão, porém, de continuar frequentando a escola, mesmo como
ouvinte, apenas. Pedia aos colegas e amigos que lessem livros para ele.
”comecei a gostar de livros de ciência”, contou a revista. E passou a
interessar-se pela Física.Pensou na sua própria cegueira e dedicou-se ao estudo
das lentes.10 anos depois, conseguiu fazer uma combinação de lentes que lhe
restituiu um pouquinho de visão.”senti um contatamento enorme, quando vi uma
letra novamente”.
Joel Dantas antes da cirurgia
Habituou-se, desde então, a uma leitura penosa. Das várias
lentes combinadas, chegou a perfeição de um aparelho chamado “conta-fios”,
através do qual lia letra por letra, mas lia.Assim, penosamente, já havia
conseguido devorar centenas de livros.Soletrava.Se era interrompido no meio da palavra,
tinha de recomeçá-la para pegar-lhe novamente o sentido.Tinha uma ortografia
própria, pois a cegueira o atingiu numa idade em que ele não tinha aprendido a
escrever. Sua
mãe gostava de colecionar pedras bonitas em casa. Quando saía, levado por ela,
para fazer passeios pelo sertão, apanhava seixos nas estradas e trazia-os para
apalpá-los e estudá-los.Casou-se aos 19 anos.em 1935, leu o primeiro volume de
mineralogia.
Joel Dantas sendo operado
Como descobriu a primeira xelita
Passou a analisar aquelas pedras, no fundo do
seu quintal, ajudado pela mulher. Ganhava, então, 200 mil réis por mês, dos
quais ainda tirava uma parte para construir forjas rústicas. Nas análises,
encontrava ouro, ferro, titânio. "Eu não sabia que a Natureza não poderia
ter sido tão madrasta com o Nordeste, ao dar-lhe apenas seca, falta de chuvas,
misérias, privações.Aquelas pedras tão abundantes devia ter algum valor",
disse Joel.
E tinham. Através delas, Joel Dantas chegou a certeza da existência de
maiores possibilidades minerais: aquelas rochas matrizes, pelas suas
características, deviam possuir maiores quantidades de minérios. Toda aquela
região inóspita era um imenso lençol de riqueza subterrânea. Em
15/10/1941, mesmo lutando contra a cegueira, Joel Dantas conseguiu descobrir,
na fazenda Riacho de Fora, a primeira xelita: uma pedra desconhecida, muito
pesada, diferente de todas as outras.“Não vale nada”, disseram-lhe. Na Paraíba,
um comerciante ofereceu 50 centavos pelo quilo. Joel indignou-se: “imagina: 50
centavos por um quilo de Tungtênio, o minério que vai revolucionar o mundo”.
A primeira fase da batalha
Havia
em Natal um padre sábio, o padre Monte (Cônego Nivaldo Monte, 1918-2006,
arcebispo de Natal entre 1967 e 1988) que acreditou nele. Apesar desse
depoimento autorizado, ninguém acreditava naquela história. Joel Dantas saiu
pelo interior a fazer propaganda de sua descoberta, para ver se os fazendeiros
se interessavam por ela. Descobriu nada menos de uma tonelada e meia do
minério, nos mais diferentes pontos da região. O
Ministério da Agricultura, no Rio de Janeiro, terminou finalmente confirmando o
seu laudo: aquelas pedras eram realmente xelita. Estava ganha a primeira
batalha.Faltava o resto: a batalha pela exploração.Mas, esta seria bem mais
fácil, pois, não faltariam logo os proprietários de terra que se interessariam
por ganha dinheiro.
Isto
se verificou, realmente, com dezenas deles, inclusive o famoso desembargador
aposentado Tomás Salustino, que já estava ganhando centenas de milhões de
cruzeiros com a sua mina Brejuí. A primeira pedra do desembargador foi levada a
Joel Dantas, por intermédio do governador do Rio Grande do Norte a época, Dinarte
Mariz. Ninguém acreditava nela, pois, tinha forma de areia. Mas, Joel disse que
se tratava de xelita de boa qualidade.O desembargador se convenceu e tratou de
explorar sua mina, transformado-se numa das maiores fortunas do país. Constatou
a presença de urânio de alto teor, numa extensão de 10 km no litoral
nordestino, por intermédio de um aparelho Geiger, que o almirante Álvaro
Alberto lhe mandou de presente.
Enquanto
isso, o cientista continuava cego e passando privações. Já havia localizado
centenas de minas de berilo, columbita, tantalita, abrigonita, granada,
bismuto, estanho, florita e outros. Diariamente, chegavam-lhe as mãos, na sua
casa em Natal, dezenas de pedras para análises, vindas de todos os Estados do
Nordeste. Ele as analisava e classificava criteriosamente. Em 1957, aos 38 anos, Joel Dantas já havia feito mais de 20
mil anotações de análises, demonstrando a existência de reservas
incomensuráveis de minérios, em toda a região nordestina. Mas, pelo seu
trabalho, muitos dos que o procuravam e que depois ficaram milionários à custa
dos seus laudos, nem se lembravam de pagar Cr$ 100 ou Cr$ 200. Por isto, Joel
Dantas continuava pobre, ele que tinha dado riqueza a tanta gente! (MANCHETE,
1957, p.37-39).
“Eu vi”
Em
1957 Joel Dantas se submeteu a um transplante de córneas. “Eu vi”, disse Joel
Dantas, ao sair da sala de cirurgia.Contava 38 anos, dos quais 30 como cego.A
cirurgia foi feita pelo Dr. Abreu Fialho. Chegou
ao Rio de Janeiro depois de uma campanha feita por um jornalista (a revista não
cita) e o médico Xavier Fernandes, diretor da Divisão de Organização Hospitalar
do Ministério da Saúde, tendo que se submeter a um intenso tratamento
pré-operatório, pois, estava pensando 45 kg e queimado dos pés a cabeça pelas
emanações radioativas das amostras de minérios que ia descobrindo e
pesquisando.
“Eu vi”. Joel Dantas guardou a confissão para fazê-la em primeiro
lugar a sua mulher e ao jornalista que o ajudou (a revista manchete
não cita o nome de ambos).
- Viu o quê?
- Vi um clarão imenso, logo seguido pela formação nítida de
certas imagens. Vi o bisturi na mão do Dr. Fialho, antes mesmo de que ele me
enxertasse a outra córnea. Foi
indescritível a sensação de ver pela primeira vez ( destaque nosso
pela tomada de emoção com o referido relato ao escrever o mesmo). No
entanto, a confirmação do sucesso do transplante só poderia ser confirmado uma
semana depois, até lá Joel Dantas deveria ficar com vendas nos olhos a fim de
assegurar a cicatrização mais rápida.(MANCHETE, 1957,p.27).
Joel
Celso Dantas foi o cientista, potiguar, cego, que estudou Física e Química,
através de um sistema de lentes combinadas que ele mesmo inventou e por meio
das quais lia penosamente, letra por letra. Foi assim que devorou de zenas de
tratados de mineralogia e geologia, chegando a conclusão de que no Rio Grande
do Norte e o estados vizinhos do Nordeste possuíam um imenso lençol subterrâneo
de minérios.