

Brasil terá currículo escolar unificado (Thinkstock/VEJA/VEJA)
Quase três décadas se passaram desde que o Brasil ingressou –
já com atraso histórico – no debate sobre a implantação de um conjunto único de
objetivos para a sala de aula. Mas era só a palavra currículo soar em ambientes
da academia brasileira para ser rechaçada com toda a fúria: um roteiro para o
professor sempre foi visto como camisa-de-força à liberdade de ensinar. Além
disso, um documento que valesse para o país inteiro aniquilaria a possibilidade
de se considerar as diferenças regionais na escola. Pois nesta quinta-feira,
depois de muito debate, consulta, opinião e revisão, a primeira Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) brasileira foi anunciada pelo Ministério da Educação
(MEC) e estará em pleno vigor em 2019. Uma chance, se bem aproveitada, de o país
sair da zona do mau ensino.
Por que uma “base curricular” e não simplesmente um
“currículo”? Há diferenças. A base é um documento que diz o que ensinar, matéria
a matéria, ano a ano. Estabelece, portanto, metas bem precisas para a sala de
aula, mas dá espaço a cada escola ou rede de ensino para chegar lá pelo método
que julgar melhor. Em resumo, dita o que transmitir aos alunos, mas não
determina como – este, sim, o objetivo do currículo, que caberá às escolas
particulares e às redes estaduais e municipais organizar ou reorganizar (no caso
daquelas que já têm um).
A base implicará em verdadeira reviravolta na escola e na vida
do aluno. Os professores terão de ser treinados, os livros didáticos precisarão
ser reescritos tendo a base como espelho e as avaliações oficiais, todas elas,
se adequarão aos novos objetivos escolares. Objetivo escolar, aliás, é um
conceito elementar que, sem uma base, sempre foi definido pelo próprio
professor, segundo suas convicções, ou pelo livro didático, segundo as
convicções de seus autores, ou ainda de acordo com a exigência dos exames aos
quais os alunos são submetidos. Agora, não. As escolas precisam seguir o roteiro
do MEC. Bom para os pais, que podem usar o documento para saber exatamente o que
esperar de seu filho naquele ano – e cobrar quando preciso.
O documento trazido a público pelo MEC já é a terceira versão –
e última. Vale para o ensino infantil e fundamental; a base do ensino médio deve
sair no segundo semestre. É, não há dúvida, uma evolução em relação às duas
versões que a antecederam. Apresentadas entre outubro de 2015 e março de 2016,
continham excessos de um lado e faltas de outro. Em português, por exemplo, não
havia na primeira versão uma única menção à gramática. Em matemática, 40% do
conteúdo eram reservados a “abordagens regionais”. A disciplina de história
restringia-se ao Brasil e à África, praticamente, deixando de lado temas como
Grécia Antiga, Renascimento e Revolução Francesa. Também carecia de uma
progressão clara de um ano para outro. Era, em suma, um amontoado de conteúdos.
A versão que vingou corrigiu grande parte dessas falhas.
Especialistas ouvidos por VEJA pontuaram duas questões que podem ser
aprimoradas: falta uma descrição mais objetiva da evolução do aluno na fase de
alfabetização, ano a ano, e explicar como a tecnologia entra efetivamente no
ensino – o item é mencionado, mas ainda de forma vaga diante de seu potencial de
alavancar o aprendizado. “Este é um documento vivo, que pode e deve ser mexido e
aprimorado ao longo do tempo, como ocorre em outros países”, diz a secretária
executiva do ministério, Maria Helena Guimarães.
No geral, a base tem ambições de aprendizado que não deixam o
Brasil atrás de outros países. “Desta vez, o MEC fez a lição de casa. O novo
currículo está bem próximo dos padrões internacionais”, afirma a pesquisadora
Ilona Becskehazy, que integrou a equipe de avaliadores das outras versões. Um de
seus méritos é ser específico não só em relação às disciplinas, mas também no
desenvolvimento de competências tão em alta, como raciocínio lógico, capacidade
de análise e pensamento científico. Agora, o documento passará às mãos do
Conselho Nacional de Educação, que deve bater o derradeiro martelo até o final
do ano. Depois de tanto debate, tudo indica que ficará como está.
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