
O crescimento acelerado da
educação a distância (EAD) tem contribuído para o encolhimento do ensino
presencial no Brasil, o que pode mudar em pouco tempo o cenário da formação
superior no país. Em um ano, quase 120 mil alunos migraram de uma modalidade
para a outra. O número consta de estudo
feito pelo Semesp (entidade das mantenedoras de ensino superior) com base nos
microdados do Censo da Educação Superior feito pelo Inep (instituto ligado ao
MEC). Vista com desconfiança por
parte dos conselhos profissionais do país, a EAD registra índices de evasão
elevados, ao mesmo tempo em que tem demonstrado maior capacidade de atrair
alunos.
A transferência de
estudantes para a modalidade tem tido impacto especialmente sobre os cursos
noturnos.
Há cinco anos, eles eram o
destino de mais da metade dos ingressantes no ensino superior privado. Em 2018,
a proporção se inverteu pela primeira vez, e a parcela de alunos que entra em
faculdade particular via EAD pela primeira vez superou a do ensino presencial
noturno —45,7% contra 36,7%. Nos diurnos, também houve queda, de 20,8%, em
2013, para 17,6% em 2018. Ao comparar os censos de
2016 e 2017, o Semesp constatou que parte dessa mudança se deveu à migração de
alunos: 119.811 mudaram do presencial para a EAD. O salto na educação a
distância tem contribuído para o ensino superior brasileiro estar apenas
estagnado, em vez de em declínio. De 2017 a 2018, as matrículas na modalidade
presencial, responsável por três quartos do total, caíram 2,1%, e as de EAD
aumentaram 17%. Com isso, o sistema como um todo cresceu 1,9%.
O resultado preocupa, uma
vez que a proporção de jovens de 18 a 24 anos na universidade no país, em 18%,
está distante da meta do Plano Nacional de Educação de chegar a 33% em 2024, o
que aproximaria o Brasil de países desenvolvidos. Como a EAD tende a atrair
alunos mais velhos, pode ser um erro apostar nela para aumentar essa taxa,
mesmo com as mensalidades menores, afirma Rodrigo Capelato, diretor-executivo
do Semesp. A média de idade da modalidade é de 31 anos, contra 24,6 da
presencial. “Os jovens sem vaga em
universidade pública e sem financiamento estudantil estão indo direto para o
mercado de trabalho”, afirma. “Educação a distância é importante, mas não pode
ser vendida como a grande solução.” A demanda pela ampliação do
financiamento estudantil não tem sido bem recebida no governo Jair Bolsonaro
(PSL). Indagado sobre o Fies por um representante do setor privado em evento no
mês passado, o ministro Abraham Weintraub afirmou: “Vocês vão ter que se
virar”. Outra característica da EAD
que dificulta a ampliação do ensino superior é o seu alto índice de evasão, que
chegou a 36,5% em 2018, contra 26,5% do presencial. A qualidade de parte dos
cursos é outra fonte de preocupação. No Enade de 2017, que avaliou
universitários de licenciaturas e ciências exatas, 46% das graduações a
distância tiraram notas 1 e 2, as mais baixas na escala de 1 a 5, ante 33% das
presenciais. Já na edição de 2018 do
exame, que examinou cursos de administração, comunicação social e tecnológicos,
o desempenho foi similar.
Conselheira da Abed
(Associação Brasileira de Educação a Distância), Josiane Tonelotto afirma que
há um estigma sobre a EAD e que os problemas da formação de professores no
Brasil estão presentes nas duas modalidades de ensino. Ela cita pesquisas que
mostram que esses cursos tendem a receber alunos com pior desempenho escolar. Em relação à capacidade da
EAD de incluir os jovens, ela diz que isso tem ocorrido cada vez mais. A média
de idade na modalidade, no entanto, cai bem lentamente —foi de 32, em 2010,
para 31 em 2018. A mediana há uma década é de 30 (metade dos alunos têm mais, e
metade, menos). “A EAD vai ter as duas
missões. Vai incluir o aluno que não estaria no ensino superior e encontra a
chance de estudar e também tomará parte do espaço do presencial”, diz. Alunos que fizeram a
migração da sala de aula tradicional para o ensino por computador apontam como
motivo as mensalidades mais baixas e a flexibilidade da EAD. Contribui também a já
significativa parcela de conteúdo remoto nos cursos presenciais, diz Ricardo
Holz, presidente da associação dos estudantes de EAD. Portaria editada pelo
governo Michel Temer (MDB) no último dia de 2018 ampliou para até 40% a carga
horária a distância em cursos presenciais. “Muitos alunos que mudam reclamam
que pagavam mais caro para boa parte do curso não ser presencial”, diz Holz.
FOLHAPRESS
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