A 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal julgou
procedente Ação de Reintegração de Posse movida pelo Estado do Rio Grande do
Norte e determinou que a Federação Norte-rio-grandense de Futebol (FNF)
desocupe o imóvel do Estádio Juvenal Lamartine, no prazo de 10 dias, a contar
do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária no valor de R$ 10
mil.
O caso
Na Ação, o Estado afirma que é o proprietário do
imóvel e que este vem sendo ocupado de forma irregular pela FNF, embora a tenha
notificado para desocupar o bem. Explica que sua propriedade firmou-se desde o
ano 1929, por aquisição feita à antiga Liga de Desportos Terrestres do Estado
do Rio Grande do Norte (antecessora da FNF), nos termos da escritura pública e
da certidão imobiliária apresentadas nos autos. Disse ainda que após a
aquisição, concedeu a cessão precária de uso com a FNF, cuja vigência terminou
no ano de 2015. O Estado alegou ainda que o imóvel, embora
declarado judicialmente de valor histórico e cultural, encontra-se, atualmente,
em situação de completo abandono, por desídia da Federação de Futebol, com as
instalações físicas mal conservadas e em ruínas, necessitando, urgentemente, de
reparos e de requalificação.
Em sua contestação, a Federação Norte-rio-grandense
de Futebol sustentou que tem primado pelas regulares destinação, manutenção e
preservação arquitetônica do imóvel, atendendo ao fim social ao qual se destina
o estádio, a saber, à promoção da prática do desporto profissional e amador. ealçou que o Estádio Juvenal Lamartine tem sediado
diversas partidas de competições futebolísticas, estando, pois, em constante
atividade. Afirmou que o imóvel é “a única praça desportiva capaz de receber os
jogos das categorias de base do futebol do nosso Estado, não parecendo razoável
que tais Campeonatos sejam interrompidos por uma decisão do Poder Judiciário”,
bem como que presta “verdadeiro serviço público à coletividade”, sem nunca ter
recebido qualquer apoio das Instituições Públicas Estaduais. Disse ainda que a
reintegração culminará na perda definitiva do Estádio Juvenal Lamartine,
prejudicando o próprio desporto estadual.
Decisão
Ao analisar o caso, o juiz Bruno Montenegro aponta
que a posse sobre determinado bem, de acordo com o Código Civil, pressupõe o
exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, entre eles o de reaver
a coisa do poder de quem quer que a injustamente a possua ou detenha. O magistrado destacou que segundo as normas do
Código Civil, o possuidor poderá, em regra, ser destituído da coisa, quando sua
posse estiver sendo injustamente exercida: de forma violenta, clandestina ou precária.
Sobre o caso concreto, entendeu ser injusta a posse
do imóvel pela Federação Norte-rio-grandense de Futebol porque precária,
materializada em sua negativa em desocupar o bem quando isso lhe foi exigido
pelo Estado. “Isto porque: a uma, o imóvel em apreço é de propriedade do Estado
do Rio Grande do Norte, o qual ocupa a posição de possuidor indireto; a duas,
porque entre este e aquela litigante fora celebrada avença para permissão de
uso do referido bem público por esta última parte, com prazo de resolução
atrelado à conveniência do então possuir legítimo”. O magistrado explica ainda que a permissão de uso
consiste em ato administrativo unilateral, discricionário e precário, pelo qual
a Administração faculta a utilização privativa de um bem para fins de interesse
público. “A precariedade, nesse contexto, autoriza o Poder Público a revogar o
ato, a qualquer tempo, no caso de o uso tornar-se contrário ao interesse
público”, anota.
O julgador destaca que segundo documentação, fica
evidente que não foi estipulado prazo para a permissão de uso do Estádio
Juvenal Lamartine, restando a resolução da avença condicionada ao exclusivo
interesse da Administração Estadual. “Logo, não há que se falar em qualquer limitação à
precariedade do ato administrativo prefalado, tampouco se pode chancelar a
prorrogação de seus efeitos ad aeternum, sob a frágil alegação de que o uso do
imóvel perpetrado pela Federação requerida atende e preserva o interesse
público”. Em seu entendimento, caso essa hipótese perdurasse,
se estaria ratificando a posse privada/exclusiva, por via transversa ou
oblíqua, do bem público, o que se afigura inadmissível, porquanto viola
frontalmente os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse
público, bem assim os postulados da razoabilidade e da moralidade. Bruno Montenegro frisa ainda que a salvaguarda do
interesse público cabe à Administração Pública, não havendo que se falar em
subversão da finalidade pública do imóvel, sobretudo diante do tombamento
imposto pela Lei Municipal n° 6.323/2011. Citando julgamento do TJRN que reconheceu o Estádio
como patrimônio histórico, cultural, esportivo e arquitetônico da cidade de
Natal, o juiz afirma que torna-se esvaziada a discussão sobre a finalidade
pública a ser conferida ao imóvel litigioso, bem como ao seu estado de
conservação, uma vez que prepondera a obrigação de preservação destes aspectos,
imposta à Administração Estadual.
(Processo nº 0801592-90.2016.8.20.5001)